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quarta-feira, 10 de junho de 2009
Homem só - Parte V
(...)
Entrei naquele quarto velho e manchado de tinta do teto ao chão. Lancei um olhar provocativo para a janela colorida. Abri as cortinas e admirei aquela vista como se fosse pela última vez. Estava no topo do mundo, mas era como se estivesse sepultado em uma vala, como um indigente. Apanhei o balde de tinta branca que estava ao lado da privada e principiei o que seria minha mais nova ocupação naquela madrugada, comecei a pintar a janela de branco. Antes havia ponderado pintá-la de preto para a nova função que deveria assumir a partir de finalizado o trabalho, mas branco condizia mais com a situação vigente. Eis a razão:
A cor branca é a junção de todas as cores, mas aparenta ser destituída de cor alguma. Reflete todas as frequências de raios luminosos, reagindo de tal forma a contraditoriamente estar reclusa de toda e qualquer claridade. Ela por si só é claridade, sozinha, reprime-se de tudo quanto lhe é possível, destituída de pigmentação. Basta um esguicho de areia e água, e ela está nitidamente manchada. O branco está fadado a essa condição. Está isolado e ainda assim comporta todas as cores para si, invisíveis. Associam paz à cor branca, e para mim a paz é suscetível a ser manchada, com um simples esguicho de areia e água. O conceito de paz só existe, por que há a discórdia. A cor branca é a cor das trevas. Estou certo disso!
A cor preta absorve todos os raios luminosos como se funcionasse como um aspirador ou um buraco negro. É a ausência de cores, de divergência, é um só e nenhum ao mesmo tempo. Age de tal forma a envolver tudo para si. Associo o preto ao insaciável, incansável, longe da indolência de sua irmã. Isso me lembra uma citação de uma entrevista do controverso escritor americano Henry Miller, que me deparei uma vez. Nunca li nada desse sujeito, mas isso me fez refletir especialmente sobre cores! Era o seguinte, "na realidade pouca revolta de qualquer espécie é permitida ao homem moderno. Ele já não age, ele reage. Ele é a vítima que, afinal, veio a ser apanhada na sua própria armadilha". Percebem por que escolhi branco ao invés de preto? Eu fui apanhado na minha própria armadilha!
Branco, negro. Antipatia, simpatia. Ódio, amor. Cansaço, entusiasmo. Contraditoriamente enxergamos justamente o contrário do que as cores realmente representam em seu cerne. Nos conformamos com a obviedade. Acomodados demais no nosso sofá macio infestado de ácaros, para levantarmos e mudar o canal mesmo com o controle quebrado. Cores! Cores! Foram as cores que me fizeram tanta companhia todo esse tempo, enquanto estive enclausurado nesse quarto. Enquanto ELES(!)... haviam tomado de mim tudo o que eu havia construído, as extensões do que me constituíam, a minha quietude, a paixão. Nunca mais ouvirei aquelas vozes doces a cantar. Finalizei meu trabalho, as paredes a testemunhar debilmente, tapadas em tinta, em cores. A janela estava enfim pintada. Quem em sã consciência recusaria o convite de uma janela branca? Eu não.
(.)
I.B.
(foto por Zilda Onofri)
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3 comentários:
olha que surpresa, primeiro um topico citando Henry Miller - a quem você deveria procurar algum livro pra descobrir o mais profundo sentido da palavra liberdade - e com fotos de Zilda, amiga minha aqui de Aju.
Isto porque o link estava no msn de uma outra pessoa, de joão pessoa...
é os textos viajam
Estou interessado em ler Henry Miller. Fiquei curioso quando descobri que ele explorava muito o sexo em seus escritos, não de uma forma escatológica como o Bukowski, mas de uma maneira peculiar e profunda. Quando essa minha amiga de João Pessoa me enviou essa citação dele, vi logo que se encaixava ao personagem que eu havia criado. Pena eu não ter uma escrita muito legível, ainda mais quando se trata de personagens confusos, para explorar ainda mais a profundidade desse conto.
By the way, Rayanne é uma grande amiga minha. Nos conhecemos na época pré-puberdade e Zilda é minha melhor amiga. =]
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