sexta-feira, 24 de abril de 2015

Sombras

Dave Mckean

A sombra é um "ser" escuro, uma figura, uma região concebida pela ausêncial parcial de luz, decorrente da existência de um obstáculo que bloqueia a claridade. Quanto mais opaca a barreira que está à frente da passagem luminosa, mais densa é a silhueta projetada, ocupando todo o espaço atrás do obstáculo e moldando-se de acordo com a origem da luz. As sombras só se manifestam quando há luz. E quando não há luz? Onde é que as sombras vivem?


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Ódio

Dói em mim saber da dor que te aflige o ventre
Quando sequestra novamente meu sono já tranquilo
O amor que se sentindo roubado, traído, esculachado
Se transfigura em raiva, ódio que toma o peito
Ódio que sufoca meu sono
Que me aquece o corpo
Que endurece minha alma
Que me enlutece o coração, tão essencial pra o que me sou
Te sou
Te fui...
Cinco verões me vem como cinco estações sem sol
O único sol que pulsa agora é essa raiva mista
Desmedida
Essa insônia
Esse ódio
Quando vou me perdoar por ter sido feliz?
Pois, pra mim tudo não passa agora de ilusão
Seria tão líquido e inconsequente esse seu impulso egoísta
Ou o tempo, cinco verões é só um breve momento como o cair de uma gota de chuva?
Mais outra ilusão?
A liberdade é assim um anseio tão déspota?
Que para o papagaio de asas cortadas é uma lembrança já esquecida
E não são mais sonhos que me comovem
Eles morreram
Foram sepultados
É o fantasma que volta, o da sua confusão
Não é meu
Mas, sou arrastado por essa alucinação
E não há paixões em meus devaneios
São distrações
Só ódio e amor
Um amor odioso
Um ódio amoroso
Que te surpreenderia em uma noite insana
Prematura
Natimorta
Rasgando-lhe a decência
Sangrando a carne
Prometendo um sol que queima o peito de uma galáxia inteira
Sob o frio torrencial da chuva em uma noite agitada
Procurando sequestrar a ti
De um saguão de incertezas

terça-feira, 14 de abril de 2015

Sou o olho do furacão

Freud's Quote for today

Magritte

"Ao tomar uma decisão de menor importância, eu descobri que é sempre vantajoso considerar todos os prós e contras. Em assuntos vitais, no entanto, tais como a escolha de um companheiro ou de uma profissão, a decisão deve vir do inconsciente, de algum lugar dentro de nós. Nas decisões importantes da vida pessoal, devemos ser governados, penso eu, pelas profundas necessidades íntimas da nossa natureza."

sábado, 11 de abril de 2015

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Saudade


Narciso e Narciso

Caravaggio

Se Narciso se encontra com Narciso
e um deles finge
que ao outro admira
(para sentir-se admirado),
o outro
pela mesma razão finge também
e ambos acreditam na mentira.
Para Narciso
o olhar do outro, a voz
do outro, o corpo
é sempre o espelho
em que ele a própria imagem mira.
E se o outro é
como ele
outro Narciso,
é espelho contra espelho:
o olhar que mira
reflete o que o admira
num jogo multiplicado em que a mentira
de Narciso a Narciso
inventa o paraíso.
E se amam mentindo
no fingimento que é necessidade
e assim
mais verdadeiro que a verdade.
Mas exige, o amor fingido,
ser sincero
o amor que como ele
é fingimento.
E fingem mais
os dois
com o mesmo esmero
com mais e mais cuidado
- e a mentira se torna desespero.
Assim amam-se agora
se odiando.
O espelho
embaciado,
já Narciso em Narciso não se mira:
se torturam
se ferem
não se largam
que o inferno de Narciso
 é ver que o admiravam de mentira.

Ferreira Gullar

Eu

John William Waterhouse

Hoje eu acordei só. Acordei eu. Sem um intruso em minhas entranhas. Apenas em devaneios tardios, de depois de abrir-me os olhos. Mais por estranhamento do que por uma aflição interior. Um vão misterioso pela frente, sem verdades (ou ilusões) construídas com raízes profundas. Apenas eu, solto e absorto com a minha falta de permanência.Um dente de leão à mercê de uma brisa e uma única promessa, daquelas efêmeras, sem compromissos: vou pousar na terra e depois um sopro qualquer há de me arrancar dali para outros pousos. Simplesmente porque hoje, eu acordei só.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Despertar é sempre perigoso


Tem manhãs que não são manhãs
Dias que não são dias
Noites que não são noites
Tem carícias que não são carícias
Abraços que não são abraços
Beijos que não são beijos
Há camas que não são camas
 Viagens que não são viagens
 Sonhos que não são sonhos
Poemas que não são poemas
Esquinas que não são esquinas
Sorrisos que não são sorrisos
Tem noites que não são camas
Há esquinas que não são viagens
Tem dias que não são abraços
Há poemas que não são carícias
Tem manhãs que não são sorrisos
Há sonhos que não são beijos

quarta-feira, 1 de abril de 2015

1+1


A turma estava toda reunida na aula de matemática. Detrás do birô, o professor escrevia um problema no quadro com giz.

- Quanto é um mais um?

Um menino levantou sua mão sem titubear.

- Dois!

Todos os seus colegas se puseram a gargalhar, até mesmo o professor acompanhou aquele coro zombeteiro. Apontavam seus dedos para seu corpo desprotegido no meio da sala, atiravam papeizinhos em sua cabeça.

- Vou repetir mais uma vez - tentava conter o riso - quanto é um mais um?

- Dois - insistiu o menino.

A sala estava em polvorosa. Todos gritavam em reprovação e o menino se punha cada vez mais encolhido no meio daquele tribunal de infantes. O professor não se manifestava contrário ao que estava acontecendo, pelo contrário, juntava-se às crianças e proferia palavras que menosprezavam a inteligência do menino.

- Quanto é um mais um, classe?

- Três! Três! Três!

- É dois!

- Três! Três! Três! Um mais um é três!

As gargalhadas cresciam como um enxame sobre a cabeça do menino. O desespero era grande demais, estava sufocado diante daquela que seria a verdade mais absurda que já havia ouvido. Para ele era tão óbvio como a certeza de que o sol sempre nasceria toda manhã.

-Três! Três! Três! É três!

- Dois! Dois! Dois!

Mas, o coro das outras crianças era maior. Suprimia a sua voz, sua convicção, sua resistência e não durou muito até que o menino levantou-se com todas as suas forças.

- É três! É três!

A sirene tocou, mas dessa vez ninguém se levantou correndo como de costume. O menino atravessou a porta da sala e nunca mais foi visto por ali.