quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Flores raras


Me abrigue suavemente em seu útero
Te dou esta parte de mim para você
A tempestade de areia vem e me mantenho sentado
Segurando flores raras
Em uma tumba... À murchar

Enterrado num buraco, não sei se posso ser salvo
Veja meu coração decorado como um túmulo
Você não entende quem eles pensavam que eu deveria ser
Olhe para mim agora, um homem
Que não se deixará levar

Enterrado num buraco, me sentindo tão pequeno
Enterrado num buraco, perdendo minha alma
Eu gostaria de voar
Mas minhas asas me foram negadas

Enterrado num buraco e eles puseram todas as pedras em seu devido lugar
Engoli o sol e minha língua foi queimada pela insipidez de sua chama
Eu fui o culpado
De ter-me quebrado os dentes
Agora sou incapaz de falar
De meus sentimentos mais profundos

Enterrado num buraco, me sentindo tão pequeno
Enterrado num buraco, perdendo minha alma
Eu gostaria de voar
Mas minhas asas me foram negadas

Me abrigue suavemente em seu útero
Oh, como gostaria de estar dentro de você
Te dou esta parte de mim para você
Oh, como gostaria de estar dentro de você
A tempestade de areia vem e me mantenho sentado
Segurando flores raras
Em uma tumba em florescência
Oh, como gostaria de estar

Enterrado num buraco, me sentindo tão pequeno
Enterrado num buraco, perdendo minha alma
Enterrado num buraco, me sentindo tão pequeno
Enterrado num buraco, sem controle
Eu gostaria de voar
Mas minhas asas me foram negadas

(Tradução livre de Down In A Hole do Alice In Chains)
I.B.

Amnésia

Eu me lembro de uma grande bola colorida ao lado de uma linda garota. Eu me lembro de pequenas figuras sobre uma festa no céu e uma tartaruga. Eu me lembro de um corredor escuro e estreito que levava a uma porta assustadora. Eu me lembro de um bando de criaturas que brotavam dos meus maiores medos me atormentando sob a cama. Eu me lembro das coisas doces que eu dizia para todas as coisas belas que eu via e ouvia. Eu me lembro do cheiro de urina que brotava de um cavalo de madeira. Eu me lembro de um aquário vazio que despedaçou-se no chão da sala. Eu me lembro do medo que sentia em estar "só" naquele minúsculo pedaço de algum lugar do quarto andar de um prédio triste. Eu me lembro do medo e admiração que sentia pelo mar, das carrancas, de um "marinheiro" que sempre queria que retornasse para mim. Me lembro daquele vulto que entrou pelo meu quarto e deixou ali um presente de natal. Me lembro dos olhares que me perseguiam como se eu tivesse cometido algum crime por ter nascido. Me lembro também de como eu era belo e tão encantador e de como tudo à minha volta me encantava. Me lembro de que acreditava na pureza do espírito humano. Me lembro das perguntas constantes que fazia aos outros e as respostas eram sempre vazias. Me lembro também das perguntas que fazia a mim mesmo. Me lembro através de outrem do sangue que jorrou pelas paredes e atingiu meu rosto como um soco. Me lembro de como eu tinha medo de encarar o lado cruel desse mundo. Me lembro de um menino que percorria pequenos planetas sobre pequenos asteróides e cometas. Me lembro de que eu estava aqui por uma razão que eu desconhecia. Me lembro de ter sido visitado por um ser de outro plano que me levou com segurança para meu abrigo. Um dia qualquer, acordei em um lugar qualquer e não sabia mais quem eu era.

I.B.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

As ondas


Sentou-se sem saber ao certo oque fazer e imediatamente pôs-se a gritar. Palavras ininteligíveis... Gritou a própria dor e fez-se ouvir até nos confins do universo. As lágrimas corriam-lhe a face e ninguém ao menos o disse o porquê. Só sabia que devia chorar. E das poças brotara o próprio oceano. Seu túmulo submerso... E sua lamúria ainda é ouvida pelos mares, empurrada pelos ventos.

I.B.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

À Deriva....


Uma Caravela à deriva
Acometida pela calmaria das águas do oceano
Ainda hoje espera
Pacientemente
Pela Tormenta que irá trazer Novos Ventos
Enfim
Levá-la a Novas Paisagens
O Mundo

P.M.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

O telefone


Recebi um telefonema, mudo. Esperei... mudo. Mudo. Adormeci naquela casa só, naquela cama larga de casal, só. Sozinho. Acordei no meio da noite e fui à geladeira, vi algo horripilante dentro dela, "deve ser um pesadelo". Quantas moscas na cozinha... Me deitei no sofá encardido e ouvi o miado dos gatos do lado de fora, provavelmente no cio. A casa toda fedia à carniça. Liguei a tevê com o controle remoto. Pornô, filmes repetidos, talk-shows... Cadê os desenhos? Era tarde... não havia desenhos essa hora. Merda! Cadê os desenhos? O QUE FIZERAM COM OS DESENHOS!? Desliguei a tevê... Abri a janela para ver a rua. Estava frio. Abri a porta e saí de samba-canção. Era florida. Flores vermelhas. Adorava vermelho, vermelho-sangue, vermelho de sangue. Minhas mãos estavam sujas de sangue... Mosquitos também devem gostar, já que sugam ele. Os carrapatos também. O sangue. Me sentia com várias patas, desengonçadas, é difícil andar com tantas patas... Esperei algum farol iluminar aquela pista escura, que frio... frio. Ouvia os grilos e ainda ouvia as moscas, tantas moscas. Eu vi o caminhão se aproximar... estava quase chegando... me joguei na frente. O telefone tocou.

(quadro de Van Gogh)
I.B.

sábado, 17 de janeiro de 2009

O barco

Ele acabara de sair de uma terrível tormenta e aquela ferida que teima a cicatrizar, exposta, viril, cáustica, fora aberta como uma semente que germina, em direção à luz. Há tempos não sentira a noite desabar sobre seus ombros, foi tomado imediatamente pelo cansaço. O corpo refletia seu ébrio, pendendo de um lado para o outro sem encontrar um lugar para despencar, um semblante que arrancava das entranhas a bílis e a expunha descaradamente para todos os malditos. Doía para alguns presenciar aquela mágoa que forçadamente contida saía pelos poros, pelos olhos, pela alma. Foi pego contemplando o mar, e era tão triste ver aquela pobre criatura tão cheia de vida, tão murcha e negra... negra como a noite. Compartilhando com as pedras essa visão solitária, de pés no silte, no sal, no vaivém das ondas, o fluxo das águas, a prova de que a terra é um ser vivo, em comunhão com os espíritos que jorram das artérias mais comprimidas. Já não via mais aquela figura cadavérica, putrefata... sublimou-se, dispersou-se no ar, no vento, no mundo... Mas havia deixado algo ali em sua oscilação melancólica, um resquício de sua breve estadia naquele canto do mundo e eu mudo, naufragado na terra, desgastado pela maresia, pelas inúmeras navegações que me foram atribuídas e por meu fim sombrio... Ele deixara uma flor amarela sob a sombra do meu mastro carcomido.

"As palavras não podem exprimir a cor dos nossos espíritos".
I.B.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Porcelana


Porcelana
Você está perdendo em sua pele?
Você está sentindo falta do amor daquele que brotara de sua própria carne?
Perambulando e flutuando e desaparecendo

Porcelana
Você cheira como uma garota quando sorri?
Ousaria não dividir com sua criança?
Perambulando e flutuando e desaparecendo

Pequena lua crescente
Todo dia
Pequena lua crescente

Porcelana
Você carregou a lua em seu útero?
Alguém disse que você está definhando muito cedo
Perambulando e flutuando e desaparecendo

Porcelana
Você está perdendo em sua pele?
Você está sentindo falta do amor daquele que brotara de sua própria carne?
Adormecendo e derretendo e desaparecendo


(tradução livre de Porcelain do Red Hot Chili Peppers, pintura A MÃE E O FILHO de Picasso)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

*A última canção


Essa matilha sem a qual sou um proscrito, um carcaju
Através de cartas concebidas pelas vibrações
Endereçadas aos espíritos e constelações
Sob uma lua minguante e insana
Que preenche meu sono prematuro
Cantemos o canto da juventude e da danação no ápice da criação
Através dessa marcha fúnebre e póstuma
De espíritos errantes da paixão
Sob o sol onipresente e imparcial
Que toca meu cadáver hesitante
Cantemos a última canção de nossos tempos enquanto ainda fazemos parte destes


Escute o vento
Pois as árvores são sábias
Sinta o asfalto
Reproduzindo a dor da terra
Escute os pássaros
Lamentando seu cárcere
Veja as nuvens
Despejar lágrimas e cobrir os olhos do céu
Pra onde você foi!


*(trecho de Seu Novo Eu da banda Lady Mary)
I.B.

Devaneio urbano II

Ela trepida lustrosa no breu de estrelas ofuscadas pelos postes, janelas e faróis obstinados. Adoro a forma como ela sorri sarcasticamente para mim, mas dessa vez permanecia absolutamente estática e redonda que chegava a duvidar se aquilo que incitava tanta vida, inspiração, era só um retrato pregado no teto de éter. Então, oque eu seria? Me vejo como um Truman sem um horizonte para poder dividir com um transeunte em um outro continente, desconecto e só, embora constantemente sob aquele olhar caolho, belo... Estático.
I.B.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Devaneio urbano I

Olhei para aqueles prédios do alto do viaduto. Um imenso paredão de concreto que ofusca e soterra e cala... Tanto fazem esses gigantescos inanimados... São tão belos prostrados no horizonte, tão tristes à noite e mais vívidos do que nunca... Suas luzes indo e vindo conforme o bailar de seus inquilinos. Os inquilinos! Sempre me esqueço desses indivíduos.
I.B.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009