quinta-feira, 30 de julho de 2009

O mundo perdido de Nog Parte-I

-Hoje à noite haverá uma festa lá nas docas. Será inesquecível, Nog.
-Podem confirmar minha presença lá.

Meteu a mão em seus bolsos e pôs-se a caminhar chutando as latinhas que haviam espalhadas naquela calçada suburbana. Não havia muito a se dizer sobre aquele dia. Era um dia comum, de pessoas comuns, com uma história comum. Nog já estava habituado a isso. Na verdade, quem não está? Existem dois tipos de pessoas: as que estão e as que não estão. Creio eu, que a segunda categoria é a daqueles poucos, aqueles que pulsam, que sofrem, que vivem. Mas, o restante faz o que então? O restante já cansou disso ou nem teve a sensibilidade para captar a "mundanice" diária. Nog se cansou há muito tempo.

Meteu a chave na fechadura e abriu a porta do seu apartamento. Dividia o seu "lar" com seus pais e irmãos. Quando estavam todos reunidos, aquilo era um verdadeiro caos, um pandemônio. As relações familiares eram sempre acompanhadas de intrigas e discussões, mas apesar de todas as infelicidades, Nog tinha orgulho de dizer que ali era a sua casa, o seu abrigo das tempestades, das intempestividades. O lar é o refúgio do homem, seja ele onde for.

Só precisava comer a refeição que sua mãe havia preparado algumas horas antes e pegar o metrô para seu trabalho improdutivo. Nog fazia alguns bicos para uma empresa pequena de propaganda. Fazia os serviços mais insignificantes que você pode imaginar. Não teve uma educação tão boa, mas não por falta de oportunidade, mas por preguiça. Certa vez, me deparei com um questionamento acerca do espírito humano que era o seguinte, "é medo ou preguiça que inibem o crescimento do gênero humano?'' Não consigo ver de outra forma: Nog é um preguiçoso.

Não quero prolongar demasiadamente nesses pormenores, pois quero apresentar-lhes esse caso insólito. Tudo começou...

I.B. (após um surto epiléptico)

Mãe


Os estilhaços estavam espalhados por todos os lados inclusive nos corpos das pessoas. O fogo se alastrava para todos os lados e se insinuavam para mim. Sentia um cheiro horrível de carne queimada enquanto recobrava meus movimentos. Cheiro de morte. Não sabia ao certo o que havia acontecido, mas podia ver que o vagão onde eu me encontrava fora arremessado a centenas de metros dos trilhos. Não havia muito tempo para que o cheiro de carne queimada fosse a ser o meu próprio, então me levantei.


O choro ecoava por todo o vagão, mas era daquele tipo que não vem de nossas gargantas. Choro das entranhas, choro de dor pungente. Era um bebê. Encontrava-se firmemente seguro contra o peito de sua falecida mãe. A mulher fora atingida por uma placa de metal bem na cabeça e provavelmente sucumbiu tão rápido quanto tudo aconteceu. Foi tudo tão rápido quanto um piscar de olhos e ainda assim abraçou firmemente o seu filho. Éramos os únicos sobreviventes desse acidente.


Foi complicado desvencilhar a criança dos braços enrijecidos da mãe, mas consegui. No momento em que o retirei de seus braços tive a impressão de que ela abriu os seus olhos e os direcionou à mim obstinadamente. Estavam arregalados e pareciam me analisar minuciosamente. Senti um frio desconcertante na espinha, mas me apressei em tirar a mim e o pobre orfão com vida daquela fornalha rubro-cinzenta. Mesmo de costas enquanto me afastava em direção à saída, pude sentir seus olhos me seguindo, sua presença.

Nog abriu os olhos e a luz do dia o cegou. "Mas o que era tudo aquilo?"
I.B.

(essa é a capa de uma edição do famoso livro de Górki)

domingo, 26 de julho de 2009

Diário de bordo III

Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Na maioria das vezes que o silêncio acometia aquele carro vermelho na noite fria e monótona, prosseguíamos com o nosso diálogo. Apesar de que ás vezes palavras não fossem pronunciadas, era através da voz de uma "metamorfose ambulante" ou de um "besouro" de Liverpool que adentrávamos em uma conversa inacabável que de vez em quando se exprimia em euforia. O grito do claustro.

Eleanor rigby picks up the rice in the church where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window, wearing the face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?

Certa vez, visitamos um poço abastecido por uma queda d'água nas entranhas de uma serra. Era azul. Intrasponivelmente azul e frio, e frio. Dava minhas goladas tímidas do meu vinho vagabundo acompanhado por uma alma no mínimo interessante. Não sabia ela que cada golada três vezes maior do que a dela que eu tragava, era uma necessidade da minha alma. Aquela manhã quente acabou em uma refeição tão quente quanto. "Ai, ai, ai, ai, ai, muchacho!"

All the lonely people
Where do they all come from ?
All the lonely people
Where do they all belong ?

Eu senti uma certa ironia quando as "abóboras amassadas" nos disse que aquele era o melhor dia que eles já viveram. Ainda que fosse apenas a véspera do domingo, ele já se atirava apressadamente sobre nós. E a lua também sorria sarcasticamente, quase podia-se ver seus dentes cerrados. E sentados ao lado do carro vermelho, nos perguntávamos de onde vinham e pertenciam as pessoas solitárias. Minha sede crescia a cada momento. Sede de viver? Eu sei que eu bebia.

Father mckenzie writing the words of a sermon that no one will hear
No one comes near
Look at him working. Darning his socks in the night when there's nobody there
What does he care?

Em meio à multidão, aos baques ensurdecedores de uma trupe desesperada e hilariante que serpenteavam pelos nossos ouvidos, heis que me choco com a improbabilidade. Ficamos o restante do espetáculo ao lado da improbabilidade. Ela vinha de longe, vinha da terra dos mandacarus e me lembrava de que por mais que eu tente, não estarei só. Dividimos um momento mágico que era compartilhado em sorrisos. Nossa euforia foi representada sobre um palco, por indivíduos desconhecidos, em um lugar desconhecido. Um rapaz que dançava beirando um ataque epiléptico, seguido por sujeitos igualmente contagiados por uma única coisa: o grito. "Prazer em conhecer você."

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Quando os "caranguejos de Recife" iniciaram seu manifesto sonoro, me desvencilhei por uns instantes daquelas paredes orgânicas. Despejei meus fluidos em uma privada imunda e por alguma razão, fiquei cansado. Queria dizer algo muito importante a alguém naquele momento, precisava dividir o lapso trêmulo de lembranças ainda vívidas em minha alma. Não tive coragem o suficiente. Pela primeira vez eu reprimi o que havia na beira da garganta e talvez por isso perdi a voz. Fiquei mudo. Adentrei naquela maré contidamente celebrante e regressei aos meus camaradas. Dancei feito um louco e gritei através da carne. A alma vinha curiosa até as beiradas tentar entender o que acontecia, mas permaneceu em silêncio. "Transcendendo a carne. Poderia ser uma brisa a me mandar para a lua."

Eleanor rigby died in the church and was buried along with her name
Nobody came
Father mckenzie wiping the dirt from his hands as he walks from the grave
No one was saved

Era frio. Nog cambaleava sobre aquela calçada, às quatro da manhã. Ninguém mais apareceu...

("...")

I.B. & P.M. (nas entrelinhas)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Diário de bordo II (Flittchen)


Meat! No more than meat, like cattle in the green fields moving straight to death by consummation. They laid on the table waiting for us men to lay our starving hands upon them and fill our mouths with their bodies. Meat! No more than meat!
Remember when you were young, you shone like the sun
Shine on you crazy diamond
Now there's a look in your eyes, like black holes in the sky
Shine on you crazy diamond
You were caught in the cross-fire of childhood and
stardom, blown on the steel breeze
Come on you target for far away laughter, come on you
stranger, you legend, you martyr, and shine!
Round and fat hamburgers they were. It's funny how that misshapen piece of meat reminded me of a once living being screaming to the skies "Moow". Disgracefully, no man is meant to afford such an amount of morbid flesh for his own. And then, Interest and Will detached from each other.
You reached for the secret too soon,
you cried cried for the moon
Shine on you crazy diamond
Threatened by shadows at night, and exposed to the light
Shine on you crazy diamond
Well you wore out your welcome with random precision
Rode on the steel breeze
Come on you raver, you seer of visions, come on you
painter, you piper, you prisoner, and shine!
Although there was Interest (the feeling of wanting to give your attention to something or of wanting to be involved with and to discover more about something) towards the consummation of the meat, there was no Will (the mental power used to control and direct your thoughts and actions, or determination to do something despite any difficulties or opposition). Nonetheless, they were dying in starvation.
Nobody knows where you are, how near or how far
Shine on you crazy diamond
Pile on more layers and I'll be joining you there
Shine on you crazy diamond
For that reason, a mere piece of rotten flesh, in that single point in time, maybe for the first time ever, was more alive than ourselves - beautiful and great living beings.
And we'll bask in the shadow of yesterday's triumph
and sail on the steel breeze
Come on you boy-child, you winner and loser,
Come on you miner for truth and delusion, and shine!
"Moooooww!!!", Nog cried out....

P.I.M.B.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Diário de bordo I (Baby Back Ribs)

Por alguns minutos, um estacionamento escuro e frio se tornou um grande anfiteatro onde um personagem invisível destacava-se de duas mentes um tanto avariadas e atirava-se no ar, deixando seu corpo cair no chão com um ruído abafado. Levantando, percebia, desde já em desespero, que talvez tivesse perdido algo muito importante naquela queda. Procurava nos seus bolsos, em vão... Não, não estava mais ali. Talvez nunca houvesse estado, agora já não tinha tanta certeza... O mundo perdido de Nog. E, por Nog, as duas mentes avariadas agonizavam, imersas em um desespero sem tamanho. Tornaram-se elas mesmas invisíveis e imateriais, tornaram-se elas mesmas...

Quanto tempo temos antes de voltarem
Aquelas ondas
Que vieram como gotas em silêncio
Tão furioso

Ela chegou. Uma aparição, uma imagem, um perfume que impregnou todo o ambiente, preenchendo-o com uma não-matéria de peso incrível, e um sorriso singularmente banal. À primeira vista não me surpreendi com suas palavras regurgitadas e sem densidade, mas aos poucos pude perceber em sua voracidade auto-afirmativa algo que só se podia notar pelas entrelinhas, só não tinha tato para perceber naquele momento, viria a descobrir depois, sentado em uma cadeira de metal gelada, numa cobertura gelada, de um bairro nobre e gelado, olhando para as luzes simétricas de uma cidade gelada antecipadamente projetada. Percebi a beleza da espontaneidade viceral.

Derrubando homens entre outros animais
Devastando a sede desses matagais
Devorando árvores, pensamentos

E era linda. Futilmente graciosa. Estávamos no carro naquela noite fria ouvindo algum disco do Zé Ramalho e eu não havia percebido as entre notas daquela menina que tentava ser mulher, até então.

Seguindo a linha
Do que foi escrito pelo mesmo lábio
Tão furioso
E se teu amigo vento não te procurar
É porque multidões ele foi arrastar

Quatro da manhã, deitados naqueles lençóis acolhedores, nos perguntávamos qual o sentido do amor e confessávamos, em voz baixa, que seríamos eternos amantes. Enquanto isso, Nog...

P.M.I.B.


segunda-feira, 20 de julho de 2009

Acordando

Olhei da janela e percebi que o mundo era tão grande... Quantas pessoas estão a andar naquela feira. Não tenho o direito de me privar do mundo. Liguei o meu elo com o mundo novamente. Bastou um clique. O mundo é meu, o mundo sou eu.

A semente

Desaprendendo (vômito não cativante de palavras)


Se você se entrega inteiramente, entrega o que há de mais belo e sincero em você e não resta dúvidas disso, estará despido em uma noite fria à mercê do que farão com sua carcaça florescente. A ausência de dúvida confunde o indivíduo, ele se habitua com aquilo e quando menos percebe... Pluft! Não há mais nada. Tudo isso por que as pessoas não sabem amar, ou tem medo de amar, ou simplesmente não amam. Tapar buracos existenciais seria mais uma necessidade do que amor sincero. Existem uns que acreditam que amor é necessidade. Esses não sabem amar. Só as crianças sabem o que é amor, por que ainda não se queimaram com ele. Quando ele vem uma vez e lhe é tragado furiosamente, corremos um sério risco de desaprender o que seria isso. Eu soube. Pena que não sou mais uma criança.

O Lírio em pedaços

terça-feira, 14 de julho de 2009

A carta

Certa vez uma carta do futuro depositou-se em meu colo. Sem relutância comecei a ler aquele documento. Desde esse dia nunca mais vivi o presente. Estava perdido em um lugar que jamais existiu... aprisionado no devir.

(...)

I.B.

... SANGUE.

O que escrevo agora, nesse momento, não são palavras, são lágrimas. E para acompanhar esse estridente guincho que escapa da minha caneta esferográfica, chove do lado de fora. Estou sentado em uma cadeira de madeira maciça, na varanda de uma casa de ares idílicos no meio dos campos esverdeados de uma província distante. Posso sentir a umidade e o cheiro bruto e cru da natureza. Ouço os pássaros, tão magníficos quando em sintonia com sua morada natural. Decidi vir a esse lugar para justamente pôr um fim à minha vida miserável. Peguei-a emprestada de um amigo meu, ás vezes me arrependo de profanar esse lugar tão puro e acolhedor com o meu sangue. Mas, o que está em jogo é a minha própria carcaça também. Pois bem, será aqui mesmo. Estou pensando nisso há uma semana e fico aliviado por finalmente ter decidido. Descobri que amo demais a vida e justamente por isso me é impossível viver nessas condições. Sem mais delongas... O que escrevo agora é tingido com o meu sangue.

20/06/09

(...)


E pensar que estava tão ansioso... Não houve resposta ao meu chamado naquela madrugada, só silêncio, silêncio agourento. Uma carapuça estava em minhas mãos. Eu sou o meu próprio algoz. Mas dessa vez nenhuma ordem haverá de ser seguida. O silêncio foi cortado pelo brandir do aço, varou a carne, o couro, o concreto gelado. Varreu a vida que gorgolejava em jatadas de sangue. Sangue escuro, denso. "O sangue nunca mente". Percebi tarde demais que não foram minhas mãos que empunharam aquela lâmina enferrujada. Atrasado para o meu próprio suicídio, eu chorei uma última vez. Roubaram de mim até a última gota de...

(...)

I.B.

Dia 7

(!)
(...)
(...)
(.)
(?)
(!?)
(...)
(!?)
(...)
(!?)
(...)

I.B.

segunda-feira, 13 de julho de 2009