sexta-feira, 27 de março de 2009

Devaneio de um futuro incerto I


Éramos quatro naquele carro espaçoso. Percorríamos uma larga e comprida rodovia, de um lado cercada por florestas caducifólias e de outro margeando um lago de proporções oceânicas que prosseguia indefinidamente por nossa trajetória pela estrada, como a lua onipresente nos sobrevoando pela noite independentemente para onde formos. Eu estava perdido em pensamentos nostálgicos à mercê de uma agonia muito intensa, um chamado das profundezas da vaziês de meu ser. Em um lapso de consciência dirigi minha atenção a um bando de pássaros que deslizavam calmamente pelo céu. Não me recordo se eram gaivotas ou pombos, mas lembro nitidamente a cor: branca como as nuvens de um dia brando. Minhas atenções se voltaram para um casal que se separou de seu bando, como que convictos de sua trajetória. Não eram proscritos, perdidos, eram simplesmente livres. Exprimiam isso pela desenvoltura de seu vôo despreocupado. Senti as profundezas de minha alma sacudir meu estômago e uma súbita melancolia alfinetar cada poro de meu ser. Olhei para o lado e avistei aquele sorriso a dez polegadas de mim. Era apenas um sábado. Me pergunto se porventura esses pássaros voltarem para o seu bando...
Eles ainda terão um nome?
I.B.

(pintura de Chen Kong)

Stairway to...


One day three guys were taking a rest on the stairs of a crowded mall... Three shadows among those hollow trees... But if you look closely, bigger things that you are not concerned to know are happening there... Just like a blackened window, awaiting for its turn. When the wind ends its sharpened passage. "I'm so depressive my man". Awaiting for one's call, with no return!
I.B.

Vestes íntimas


Falavam sobre as dores do homem, sobre as mazelas que lhes eram acometidas, sobre as correntes... Cada pedaço de lágrima lhe roubava um pedaço de sua máscara mais íntima. Eram um homem e uma mulher, opacos e reciprocamente transparentes... Chorando pela decadência do espírito humano em progressiva degradação. A cada gota ele lhe roubava um pedaço de suas vestes íntimas, com a boca, com o estômago e ela sorria como se aquele ato lhe fosse uma promessa da união da carne, do espírito... Existe maior comunhão entre dois indivíduos do que compartilhar de suas dores? Ele se apropriava de suas lágrimas como que para poupá-la de tanto sofrimento. Absorvia-as, digeria-as. Ele se envergava, se contorcia, sentia um gosto amargo que subia de suas entranhas e mirava aqueles dentes tão sinceros... Sua boca se abriu extensamente e do cerne de seu ventre proferiu um grito silencioso. Não havia mais nada a se ouvir, ver... Até o último pedaço das vestes íntimas.

"...e o brilho do teu riso
é mais
quente que o sol do meio-dia..."


I.B.