segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Dedal-de-dama


Tece esse vestido que me envolve Carolina
Abriga esse coleóptero de pouso desajeitado
Com essa fragrância nostálgica
Essa brisa doce que acalenta a alma
Flor que habita os corredores de trepadeiras
E justifica sua estadia perene naquele pedaço do mundo
Tropical, Marginal
Diferente das breves alamandas de tristes alamedas
Essa esboça um sorriso invisível, inaudível
Que só a parte interessante de sua cabeça poderia contemplar
Pobres daquelas criaturas mundanas, sem amor
A alma transpira
A alma respira
A alma
...
I.B.

A periferia

Ninguém se movia em lugar algum
Mas ele estava lá sozinho e acompanhado
Testemunha da vigília dos olhos do escuro
Ocultos por debaixo de algum véu invisível
Aprisionado por cânticos mudos de desespero

Era frio naquela noite e nada se ouvia
Entre a vida e o sonho
Na periferia

As pernas que fitavam meu rosto imóvel
Separados por um lençol fino e acolhedor
Que me impedia de ver a face do horror que me aguarda
Incubus e Sucubus em sua sede libidinosa
Os gritos que não se pronunciavam naquela breve visita

Inerte no desconhecido, na letargia
Aguardando o uivo da noite
Da periferia

Posso sentir o toque deles perscrutando meus pensamentos
A dama da morte e seu fiel companheiro
Memorandos estão em todo lugar
Eu aguardo essa hora chegar


Fugindo da noite que trás os seus impiedosos filhos selvagens
Produtos dos meus próprios pecados
Anjos negros que zombam e cuidam de mim
Para que a insanidade não me escape...
I.B.

Versos quadros verde-cinzentos

Entre o céu e as folhas secas
Cala-se a floresta em metal
Onde as mentes repousam dinâmicas
E o Sol dispara lágrimas em seus enteados
Onde a Lua é um devaneio poético
E a maré sufoca os braços debatendo-se

Mercúrio desfila por leitos espumantes
Sopra a chuva o vermelho cáustico
Olhos queimam em paisagens nostálgicas
Cartões postais jogam-se de grades distantes
E não passam de rabiscos cinzentos
"Mudas", surdas, "cegas", "telepáticas"
...
I.B.

Sem tapinhas nas costas ou algo do tipo

Havíamos cortado uns 700 km rumo ao sul em uma tentativa de redescobrirmos a nós mesmos... Ás vezes quando acordávamos em motéis de beira de estrada, esquecíamos de quem nós éramos. Optamos por vivenciar os fatos presentes sem nenhum calculismo ou remorso. Uma verdadeira cruzada jazzística por entre trastes desconhecidos e timbres melodicamente misteriosos. Toda vez que a via olhar para as estrelas sob qualquer céu de qualquer lugar dessas estradas esburacadas, lembrava que não estava tão distante de casa quanto pensava... Embora estivéssemos jogados à sorte, estávamos mais felizes do que nunca. As pessoas não se dão conta do quanto são infelizes até que provem da liberdade. E nós tínhamos o nosso gole secular! Nós havíamos pegado carona com um daqueles sulistas simpáticos e conversadores até uma cidadezinha que não me recordo o nome e paramos em um posto de gasolina. O odor nostálgico de óleo diesel e graxa e o som de motores rufando já foi mais que o suficiente para nos despertar fome. A fatídica última refeição! Após termos rapidamente comido aquele típico jantar caipira, fomos tomar banho e prosseguir viagem com nosso carona sulista, eu me dirigi ao banheiro dos homens e ela ao feminino. Eu saí e esperei, geralmente as mulheres demoram mais a sair, o caroneiro avisou que sairia dentro de 15 minutos e infelizmente não pôde esperar as horas que eu fiquei por lá. Nenhum sinal dela, já havia checado o banheiro feminino centenas de vezes, ninguém sabia de seu paradeiro. Passei exatos três dias imaginando todo tipo de coisas que poderiam ter acontecido... É uma dor muito grande quando você em uma hora tem tudo e na outra perde tudo. É como se um vazio muito grande tomasse conta de seus pensamentos e seu estômago responde de uma forma inebriante e sem aviso, lembrando-o do quanto é miserável. A princípio pensei que ela tivesse sido vítima da perversidade humana alheia, mas quando derrubei a última lágrima, foi o suficiente para congelar um vulcão. Passei então a duvidar de sua fidelidade a mim. A dúvida... Esse monstro que nos mordisca até que não reste nada...
I.B.

... Trecho tirado de uma campanha de D&D... Chamarei de "Os tristes recifes"

Habitantes da luz e dos céus
Abraçaram os filhos da terra
Feras sem rumo e sem propósito
Os mostrou o caminho dos justos
Entregou-lhes o elixir da sabedoria
E deles cobraram nada além do amor
Mas as feras queriam mais
Eram incapazes de percorrer as nuvens
E a admiração se tornou inveja
Do fogo vieram as ruínas e delas
Marcas de uma traição
E a própria terra de que eram filhos
Chorou sangue e os excomungou
As feras foram abandonadas por seus pais
As rochas vivas subiram das águas
Para presenciar o último suspiro das feras
E eles se foram como uma rajada celeste

I.B.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Aos cem...

No exato momento em que nasci, completei meu centésimo ano de vida.
Ao deitar os olhos sobre o mundo, não me surpreendi com o que vi. Conhecia tudo, conhecia a todos. Conhecia a mim...
Conhecia, enfim, o que jamais havia visto, o que nunca vi.
Os longos anos da minha breve existência, agora sei, vieram e se foram numa fração de segundo divinal.
Hoje, cem anos após, sinto que desaprendi tudo o quanto conhecia ao nascer.
As velhas lições, as esqueci.
A sabedoria de outrora já não me pertence.
Morro imerso na escuridão, que a antiga luz de há muito já se apagou.
Vago, lentamente, embora sem dificuldades, rumo ao ventre aconchegante da minha amada Mãe.
O Velho que nasci, morreu Criança...
P.M.