quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A dualidade do mar (o abraço)


Certa vez olhei para o mar
Quão belo ele é
Quão nefasta é a tua beleza
Certa vez disse em súplicas
Me abrace
Me abrace
Me abrace

I.B. (devaneios etílicos)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Diário de um jornalista (!?) sóbrio


Dia 29/05/09.


Cheguei em cima da hora como de costume, e dos quatro que já deveriam estar ali, só avistei um deles. Meus camaradas também não eram do tipo pontual. Ficamos sentados em frente à emissora, aguardando a chegada dos outros enquanto vislumbrávamos aquela avenida ensandecida. Carros, motos, bicicletas, carroças, pedestres, em uma densa batalha que inevitavelmente terminaria em um evento potencialmente jornalístico. Tudo isso por uma migalha de segundo em suas correrias cotidianas. Ah, o tempo! Não estaríamos lá para ver. Nossos camaradas começaram a chegar.


Uma integrante do grupo (eram três homens e duas mulheres) havia marcado uma espécie de entrevista com um tal de Cleomar Brandi ou qualquer coisa do gênero (viria a descobrir depois, que é uma figura muito importante no cenário jornalístico aracajuano). Para o nosso infortúnio, ele não havia chegado e nem chegaria. Bom, de qualquer forma, conseguimos acesso ao interior da emissora. Não me lembro bem o que levou o segurança a nos deixar passar, talvez o fato de mencionar o nome do tal Brandi ou até mesmo a despreocupação em deixar cinco meros estudantes terem acesso livre ao recinto. Deveríamos procurar uma mulher que respondia pelo nome de Gabriela.


Encontramos um sujeito que fora um companheiro de umas e outras quando eu era mais novo. Na época em que ter uma banda de rock e uma garrafa de vinho era o suficiente para ser feliz. Coincidentemente, era primo de uma das garotas do grupo. Além de me tragar para tempos quase imemoráveis, não pelo tempo que se passou desde então, mas, pela quantidade de álcool que sublimou essas lembranças, o sujeito nos indicou o prédio da redação onde estaria a tal Gabriela.


Adentrei o prédio acompanhado pelos outros estudantes, e como não havia ninguém, aparentemente, para nos receber, arrisquei chamar alguém de dentro de uma sala de onde podíamos ver o que se passava interiormente, através de um painel transparente. Fomos recebidos por um cara que à primeira vista estava surpreso com nossa aparição repentina. Logo em seguida, a tal Gabriela veio nos receber. Era uma moça jovem e simpática que usava óculos de bordas escuras, bem joviais, e de sotaque paulistano. Daquele tipo de pessoa que estaria em uma reunião de amigos, regada a um bom vinho e música alternativa.


Naturalmente, explicamos a razão de estarmos ali, queríamos saber como funcionava uma redação de jornal de mídia televisiva, e ela era a chefe de redação. À primeira vista, me decepcionei com a ausência daquele caos estereotipado e muito provavelmente realista, típico de redações de jornais. Mas, como ela bem disse, “hoje é sexta feira”. Eu não sabia que notícias tiravam férias. Muito provavelmente os repórteres, pauteiros e todos os organismos que desempenhavam suas funções para a execução daquele jornal, estavam muito ocupados no momento. O que careceu de intensidade, vida, naquele ambiente que ainda assim, exalava um leve odor de informação. Fresca.


Nosso encontro foi fundamental para nos situar na realidade daquela espécie de jornal, que era ainda mais interessante, por ser de uma emissora subsidiada pelo governo, tendo um direcionamento de enfoque mais cultural e informativo do que a maioria das mídias. Já que não depende de insumos publicitários (no quesito venda de produtos). Claro que com suas limitações de verba e seus inúmeros problemas estruturais, que a meu ver, contornam com bastante competência.


Lembro-me muito bem do aviso não tão caloroso acerca do mercado de trabalho para jornalistas em Sergipe. Foi a Gabriela quem nos alertou de que temos um dos piores pisos salariais do país, sem contar que não há muito espaço nesse mesmo cenário amarrotado em (perdoe-me pela expressão) excremento! Mas, já era de se esperar. É que a verdade dói mais quando é dita.


Visitamos até mesmo o setor de documentários, onde havia uma quarentona de ar jovial e cativante que nos deu uma explanação acerca de como funcionava esse departamento. Apesar de tudo, não estávamos satisfeitos com essa nossa primeira visita. A moça salientou que seria muito mais interessante entrarmos em contato com o tal do Cleomar Brandi.


Dia 01/06/09.


Depois de um suco de goiaba e um pastel de queijo, acompanhado pelo rapaz pontual que bebia apenas um suco de mangaba, vi um carro entrar na emissora, guiado por um senhor grisalho e meio calvo. Estava convicto de que ele seria o nosso próximo entrevistado. Apenas uma das garotas havia aparecido nesse dia. Decidimos entrar o quanto antes.


Estávamos lá aguardando em um sofá da recepção, quando aquele mesmo senhor que vira alguns minutos antes, saía da ilha de redação sentado em uma cadeira de rodas, segurando obstinadamente um celular e portando um maço de cigarros em um de seus bolsos. Ele se dirigiu a nós com um olhar bastante acolhedor, e seu semblante de alguém em seus sessenta e poucos anos, dava lugar ao de um rapaz, que mesmo tendo vivido inúmeras experiências, não deixara o tempo lhe tomar seu entusiasmo. Aquele jovem senhor transpirava um conhecimento que só podia ser obtido através da leitura de uma porção de livros, o que condiz com a forma com que ele nos expôs seu conhecimento acerca do mundo jornalístico. Era tão natural e transparente o seu discurso, que me peguei imaginando que estávamos sentados à mesa de um bar.


Ele é um dos fundadores da emissora no estado, viera da Bahia com esse objetivo e se encantou tanto com essa terra que decidira ficar por aqui, como ele mesmo fez menção. Também é o diretor de jornalismo dessa emissora e produtor de um jornal escrito. Exerce a profissão de jornalista há tanto tempo quanto uma vida e meia minha. Algo tanto engraçado, quanto intimidador de se constatar. Ah, o tempo! Vez ou outra alguém interrompia a nossa descontraída conversa para informá-lo de alguma emergência, ou fato que ocorria, e ele sempre tinha a palavra final. Já pude sentir a partir daí, aquela pressa e ansiedade de um ambiente em que se tratam notícias. Fervendo.


Ele falou algo sobre ser ardiloso na obtenção de entrevistas e de possuir fontes e mais fontes. O sujeito respirava jornalismo, escutem o que digo. Até mesmo uma mesa de bar pode ser um verdadeiro acervo de informação, segundo ele (e fora a impressão primordial de nosso diálogo ali, naquele sofá). E era o que fazíamos ali, sentados em uma espécie de mesa de bar, bebíamos daquela fonte grisalha e calva.


Segundo Brandi, os estagiários que ali ingressavam, são avaliados através de uma simples redação, muitas vezes mal escritas, como ele colocou. Afinal, o instrumento de um jornalista seria o que senão palavras? Disse que os estagiários executam todas as funções possíveis dentro do jornal, e trabalham como verdadeiros jornalistas. Para saber se um soldado está realmente preparado, envie-o para um campo de batalha. “Quem trabalha aqui, está preparado para trabalhar em qualquer lugar”. Isso se verifica tanto em termos de recursos reduzidos, quanto em multidisciplinaridade de cargos. “Pobres estagiários”! Ou seria, ricos estagiários.


A entrevista deu no que tinha de dar. Nosso anfitrião voltara apressadamente para sua labuta diária. Deixara de ser um camarada na mesa do bar, para voltar a ser um atarefado chefe de redações em um piscar de olhos. Não será através dessas poucas “laudas” que exporia todas as impressões que tive acerca desse dia bastante proveitoso, mas uma coisa é certa. Não é só nas ruas que uma migalha de segundo vale muito, os próprios jornais são movidos a esse tique-taque nervoso, purulento, desvairado... Notícias, tempo. “Um dia deveria ter mais de vinte e quatro horas”.


I.B.


terça-feira, 4 de agosto de 2009

Perfume e Gozo


Não sei se deveria chamar de ingenuidade a incapacidade que uma criança bem novinha tem de distinguir certas coisas tão nítidas para os mais "maduros" - mais vividos ou vivedores talvez sintetizasse a palavra maduro melhor. Quando estão ao telefone falando com algum ente querido, presumem que gesticular um "sim" e um "não" são suficientes para dar a entender quem está do outro lado da linha. Entendo muito bem, deve ser de uma confusão muito grande assimilar que alguém está em algum outro lugar como aquele, real, material e não na própria linha do telefone. Da mesma forma, quando possuem um binóculo e encaram nitidamente uma pessoa que está a metros de distância, deduzem que suas palavras possam ser ouvidas claramente como se aquele indivíduo estivesse ali cara a cara com eles. Até compreendo a dificuldade que deve ser analisar as coisas através dessa perspectiva um tanto curiosa. Compreendo a incompreensão desse neófitos pois, esses se deparam com um mundo moldado por homens, ao contrário de suas naturezas primárias, brutas, selvagens, que antecede o homem por si só. Os pequeninos acabaram de deixar o útero do indizível e ingressaram na maculada morada do essencial dizível. O que se toca, vê, cheira, e obrigatoriamente tem que ser nomeado ou não faz sentido algum. Essa humildade imanente dos bebês é esbofeteada pungentemente.

Um certo príncipe me falou que o essencial é invisível aos olhos e certamente ouso acrescentar que é também inaudível aos ouvidos. A mudez é de sensibilidade muito grande e de difícil acesso. É preciso estar nas entranhas do mundo para deleitar-se em suas vinhas. Arrisco dizer que ela por si só antecede o sonoro. O silêncio é a voz das profundezas, do cerne da vida, da selvageria, do irracional, é o que realmente é por si mesmo e nada pode ousar comunicar-lhe a manifestação. Infelizmente os bebês são infectados no momento em que põe sua cara infeita no mundo, tendem a berrar e expurgar o silêncio ancestral de seus pulmões. Quando fazemos preces a algum Deus, necessariamente obtemos uma resposta muda e muitas vezes esse "nada" é encarado como vazio. O que é vazio senão ausência de alguma coisa? Ausência de voz. O vazio é a ausência de voz de um Deus incerto. E o contrário do vazio? Seria Deus em si mesmo? O silêncio é em si mesmo. O paradoxo entre o todo e o nada é indizível. Sentir é a solução para nós humanos, é a nossa verdade absoluta, mas para isso temos que renunciar a visão, os ouvidos? Renunciar a nossa humanidade?

Estou a sós com uma pessoa muito íntima e trocamos murmúrios quase insonoros, não queremos acordar alguma coisa que está a espreita, alguma coisa de uma virilidade irrecusável. O que dizemos é mera reprodução do que se sente no momento que se sente. Desconhecemos a profanidade das palavras, mas temos consciência de que elas estão logo abaixo do que não conseguimos dizer e apesar disso ás vezes elas soam tão belas. Imaginem o quão belo não deve ser o que não se pôde dizer. Não sei se o que nos preenche naquele momento é o absoluto, ou o absoluto é o que nos provoca essa sensação. O absoluto é o que antecede todas as coisas? Ou que a todas elas se sucede? O sussurro é de uma sensualidade avassaladora, é a tentativa de emudecer e comungar com o primordial infeito, a nossa parcela mutável e ainda assim intocada. Pois, o primordial está em fase de composição, mas também acabou de ser composto. O que antecede é música.

O momento em que duas pessoas se entrelaçam e trocam seus olhares mudos, seus sussurros mudos, seus sabores mudos, seus toques mudos, são passeios sorrateiros na fronteira do que se é. O que não é parece estar entorpecido naquela intermitência que subverte a natureza do que se afastara da natureza . O que seria o gozo então? A ingenuidade da criança que chora quando é concebida pelo ventre materno? O gozo seria a mudez que se pronuncia de forma audível? É o muito que reproduzido é um retrato pouco do que se não manifesta no mundo material. Mas será que nossa couraça apreende tudo quanto nos pode ser remetido? Somos mais que couraça, mas ainda obsoletos em relação ao rufar dos tambores de todas as coisas e não coisas que habitam e inabitam o universo e o desuniverso. Por que o intervalo de todas essas coisas não nos é apresentado. Não são suficientemente opacos para nossos olhos de gente. Existe um silêncio entre dois grãos de areia, um vazio agregante, eu quero estar entre eles, mas querer é pouco demais. Tudo é de uma magnitude ínfima quando se parte do pressuposto de almejar algo. O indizível só acontece uma vez e é destituído de expectativa. E na minha ignorância de algo que vive sem saber que vive o que vive, quero estar entre os grãos, por que foi lá que me disse certa vez que estaria.

_ _ _ _.

Escrito em algum lugar de Junho ou Julho.

Pintura de Mark Ryden.

O mundo perdido de Nog Parte-II

"You can only know yourself when nobody knows you."

Nunca entendi bem essa afirmação, embora foi a primeira coisa a qual pensei antes de lhes contar o que ocorreu. Claro que existem uma série de razões para reprovarmos certos aspectos negativos das relações sociais, eu mesmo tenho muito desse veneno correndo em minhas veias, mas, muito do que sei (ou tudo) foi conquistado através de uma série de trocas sociais. Sei que sou ,pois existe um outro que é. Sei que sou mal, pois existe um indivíduo que não o é. Meras convenções que preenchem o copo vazio que fui. Não! Não fomos vazios. Como pude me esquecer das predisposições? O que seriam elas? Será que existe uma consciência independente? Ou somos um cassino orgânico onde todas as possibilidades do que me é, sejam meras "jogadas probabilísticas"? Adoro como soa essa teoria.

Vou contar-lhes uma pequena história antes de tentar retratar o infortúnio do pobre Nog. Uma simples história, pois as simples histórias nos falam mais. Estão fora de moda, mas, são indiscutivelmente irredutíveis (por serem simples). Não existem arrodeios. Ela é o que é. São um retrato da vida... Não! A vida pode ser apreciada a partir de tantas óticas contraditórias... São os olhos que a complicam. É simples, porém tantos olhos a olham que sua primitividade é despercebida. A vida só é simples quando ninguém percebe-se inserido nela. Histórias simples são como cagar na privada ou cortar o cabelo que está lá por sete anos sobre o seu crânio, simplicidade irredutível. Aposto que arranquei algumas risadas através dessa afirmação minimamente escatológica. É como cagar, pois nascem de um impulso natural do gênero humano: o de contar histórias. Alguém já ouviu falar de Deus? Oh, me crucifiquem. Podem me chamar de cético, mas entrego-lhes de antemão que não o sou.

Já ia me esquecendo da história. Perdoa-me meu caro Nog, eu chegarei lá. Juro que serei lacônico. Aliás, que isso sirva como uma prévia do que contarei em breve. Pois bem, havia esse rapaz que andava pela mata. Estava embrenhado naquela selva inóspita acompanhado por seu pai. Se afastou um momento para aproveitar um pouco das sensações do mundo selvagem a sós, quando achou uma cobra visivelmente destacada sobre a restinga. Esqueci de dizer que o rapaz era sozinho, não era de muitos amigos. Gastava horas e horas conversando com objetos inanimados e animais em sua infância. Aliás, seu camarada preferido nos tempos de esquizofrenia saudável, era um botão de uma camiseta que caíra certa vez. Quão encantador, não é mesmo? Belo espécime!

Conversou horas a fio com a cobra. Estava tão entretido com aquele diálogo...Sentiu simpatia por ela. Eu particularmente discordo quanto a cobra ser o retrato do demônio nos escritos bíblicos. São criaturas magníficas. Sua dança hipnotizante, a sensualidade... Quem disse que isso é sinônimo de malevolência? Seria o bote? O veneno? Homens também o fazem e com primorosidade. A chave da questão deve estar no fato de elas se rastejarem. Preciso ler a bíblia ou reavaliar a questão por um ponto de vista histórico. Talvez houvesse um indície inumerável de vítimas por picadas de cobras no período que compuseram o livro.

Sem mais delongas...

O rapaz estava tão entretido com a conversa, que mal percebeu a imobilidade do réptil. Seu pai o surpreendeu (involuntariamente) naquela clareira e nem percebeu o que se desenrolava. Estava descuidadamente despreocupado, desatento ao que não fosse a vastidão daquela planície. Sequer se deu ao luxo de ouvir o que se passou. O rapaz calou-se imediatamente. Seu pai foi até a cobra e a pegou em suas mãos, "olha, essa acabou de trocar de pele. Um pedaço inofensivo de velhas escamas agora."

I.B. (na ociosidade da noite)

Diário de Nog (páginas perdidas)

Acredito que estão conspirando contra mim. É como se o mundo todo estivesse envolvido em um complô. Mas eu não me recordo de ter feito nada contra ninguém. Não me recordo de ter ameaçado nenhuma instituição... Não posso ser vítima por saber de menos! Apenas vivi. Muito menos do que sempre imaginei que poderia. Só não consigo aceitar que as pessoas a quem eu amo estão relacionadas a uma brincadeira de mal gosto como essa. Nenhum indivíduo merece tal reclusão. Nenhum! Sei que isso não é um sonho, mas é tão surreal o que está acontecendo comigo. Pareço um personagem de um livro, forçado a estar em uma situação extraordinária para que a vida seja avaliada a partir de uma perspectiva singular ou até mesmo óbvia. Seria eu, mero instrumento de iluminação para aqueles que de mim sustentam suas fantasias e convicções? Seria eu um louco a pensar dessa forma? Dada a situação que me encontro... Existem duas saídas possíveis: enlouquecer ou aceitar.

Escrito em alguma tarde brasiliense, entre 20 e 31 de Julho.