quarta-feira, 3 de junho de 2009

Homem só - Parte I


Cacos de vidro mastigam a sola dos meus pés enquanto me desloco naquele quarto escuro. A janela, colorida, me convida para adentrá-la e nunca mais pisar naquele chão, naqueles cacos banhados em vermelho vívido. Vermelho vivo. Um convite rumo aos confins do meu próprio frenesi. Momentaneamente considero o que me foi recomendado. Mas quem em sã consciência daria ouvidos à uma janela colorida? Lembro-me que ela está assim por que decorei o apartamento jogando vários baldes de tinta ao redor da casa. Nos móveis, nas paredes, na cama... Queria todas as cores para mim! Para me fazerem companhia! Decidi dar uma volta lá embaixo para clarear a cabeça. Preferi pegar as escadas (tenho medo de tudo que me lembre parede, como um elevador), pois cada degrau tem uma história para contar. Gosto de ouví-las enquanto caminho sobre eles, sobre elas. Eles conhecem todo mundo, pois todo mundo, só é alguém neste prédio, quando está na solidão das escadas. Subindo, ofegantes, subindo, descendo, ofegantes. O que é a vida senão um conjunto de decisões e ações fatigantes? Diferentemente das paredes, escadas não julgam as ações humanas. Por exemplo, uma vez fiquei sabendo que Tainá tinha problemas no joelho, a forma de uma pessoa andar diz muito sobre ela. Os pés sustentam todo o nosso corpo! A forma com que deslizamos pela superfície, ora graciosa, ora desajeitada, nos é inalienável. E quem não tem pés? Tainá sempre tem algo a esconder, seus segredos pressionaram tanto seus joelhos... Sua obscuridade desgastou suas articulações. Ela não é quem aparenta ser. Tenho medo de passar em frente ao apartamento 101! Seu espírito é pesado. Ouço risadas lá dentro. Risadas sinceras. Risadas de Tainá! Ela ri demais, por isso anda mancando. Como alguém pode se sentir confortável entre paredes? As paredes tem acesso aos frutos do que se passa em nossas cabeças, o pensamento refletido em ação, expressão, e o chuveiro pode tocar a semente, o âmago da ação, da expressão, através das gotas d'água, penetram em nossa inteligência, pelos poros, pelos olhos, ouvidos, nariz, cabelo, mãos, torso, até mesmo pelas unhas dos pés. Afinal, é a cabeça que sustenta o espírito, ou o espírito que sustenta a cabeça? De qualquer forma, os pés sempre estão lá, e se não estiverem... Você não pode subir escadas!

(...)

I.B.

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