sábado, 1 de novembro de 2008

A fresta

Era úmido. Frio e úmido. O ar escapava-me os pulmões, deixando um gosto acre e nostálgico em minhas narinas. Estava envolto a uma poça decrépita e fétida, num beco qualquer de uma cidade de homens fracos. Podia ouvir os televisores sintonizados em um mesmo canal. Seriam notícias vazias ou intrigas hollywoodianas que nos mostravam uma realidade fajuta e anestesiante? Não podia sentir o meu corpo, era como se o peso do mundo estivesse sobre meu peito. Não podia me levantar e o menor dos esforços causava-me uma dor aguda e prolongada. Podia sentir o gosto do sangue. Rubro, tóxico... Não era meu. A lua jazia estática, bela e irritante naquele paredão negro. Como se zombasse de seus filhos menos afortunados. Podia ouvir a lamúria acompanhada de uma melodia tenebrosa em crescendo. Era a noite que atingia o seu ápice. Aquele sussurro que nos toca os ouvidos, a sensação estranha de deslocação de ar que sentimos quando alguém vem vindo e não há nada mais do que você prostrado em seus medos mais obscuros. São os gritos inaudíveis do abismo. Os cochichos e as gargalhadas de algo que nos escapa à compreensão. Pense em quantas vezes você pensava estar só em seu leito, enquanto as sombras o guardavam para elas, para satisfazer sua existência, penúria. Sugestões nefastas e paisagens surrealistas em seu inconsciente. Todo santo-dia eu posso ver, ouvir e sentir o que vocês não podem. Em cada canto de sala ou ruas inóspitas, me sinto nu e frágil. Em cada fresta e em cada janela escura, eles estão ali me observando, calculando, ávidos por um pedaço de qualquer fraquejo meu. Podia sentir um fogo arder em minha cabeça, milhares de imagens horripilantes percorrerem minhas pupilas semi-abertas. Podia sentir o gosto de sangue, o sangue nunca mente. Rubro, selvagem...


I.B.

Um comentário:

Olhodolago disse...

O sangue nunca mente...

é, a verdade sangra.
bom texto, esse fez brotar um caixinho na sua cabeça, certamente.

:*