domingo, 26 de julho de 2009

Diário de bordo III

Ah, look at all the lonely people
Ah, look at all the lonely people

Na maioria das vezes que o silêncio acometia aquele carro vermelho na noite fria e monótona, prosseguíamos com o nosso diálogo. Apesar de que ás vezes palavras não fossem pronunciadas, era através da voz de uma "metamorfose ambulante" ou de um "besouro" de Liverpool que adentrávamos em uma conversa inacabável que de vez em quando se exprimia em euforia. O grito do claustro.

Eleanor rigby picks up the rice in the church where a wedding has been
Lives in a dream
Waits at the window, wearing the face that she keeps in a jar by the door
Who is it for?

Certa vez, visitamos um poço abastecido por uma queda d'água nas entranhas de uma serra. Era azul. Intrasponivelmente azul e frio, e frio. Dava minhas goladas tímidas do meu vinho vagabundo acompanhado por uma alma no mínimo interessante. Não sabia ela que cada golada três vezes maior do que a dela que eu tragava, era uma necessidade da minha alma. Aquela manhã quente acabou em uma refeição tão quente quanto. "Ai, ai, ai, ai, ai, muchacho!"

All the lonely people
Where do they all come from ?
All the lonely people
Where do they all belong ?

Eu senti uma certa ironia quando as "abóboras amassadas" nos disse que aquele era o melhor dia que eles já viveram. Ainda que fosse apenas a véspera do domingo, ele já se atirava apressadamente sobre nós. E a lua também sorria sarcasticamente, quase podia-se ver seus dentes cerrados. E sentados ao lado do carro vermelho, nos perguntávamos de onde vinham e pertenciam as pessoas solitárias. Minha sede crescia a cada momento. Sede de viver? Eu sei que eu bebia.

Father mckenzie writing the words of a sermon that no one will hear
No one comes near
Look at him working. Darning his socks in the night when there's nobody there
What does he care?

Em meio à multidão, aos baques ensurdecedores de uma trupe desesperada e hilariante que serpenteavam pelos nossos ouvidos, heis que me choco com a improbabilidade. Ficamos o restante do espetáculo ao lado da improbabilidade. Ela vinha de longe, vinha da terra dos mandacarus e me lembrava de que por mais que eu tente, não estarei só. Dividimos um momento mágico que era compartilhado em sorrisos. Nossa euforia foi representada sobre um palco, por indivíduos desconhecidos, em um lugar desconhecido. Um rapaz que dançava beirando um ataque epiléptico, seguido por sujeitos igualmente contagiados por uma única coisa: o grito. "Prazer em conhecer você."

All the lonely people
Where do they all come from?
All the lonely people
Where do they all belong?

Quando os "caranguejos de Recife" iniciaram seu manifesto sonoro, me desvencilhei por uns instantes daquelas paredes orgânicas. Despejei meus fluidos em uma privada imunda e por alguma razão, fiquei cansado. Queria dizer algo muito importante a alguém naquele momento, precisava dividir o lapso trêmulo de lembranças ainda vívidas em minha alma. Não tive coragem o suficiente. Pela primeira vez eu reprimi o que havia na beira da garganta e talvez por isso perdi a voz. Fiquei mudo. Adentrei naquela maré contidamente celebrante e regressei aos meus camaradas. Dancei feito um louco e gritei através da carne. A alma vinha curiosa até as beiradas tentar entender o que acontecia, mas permaneceu em silêncio. "Transcendendo a carne. Poderia ser uma brisa a me mandar para a lua."

Eleanor rigby died in the church and was buried along with her name
Nobody came
Father mckenzie wiping the dirt from his hands as he walks from the grave
No one was saved

Era frio. Nog cambaleava sobre aquela calçada, às quatro da manhã. Ninguém mais apareceu...

("...")

I.B. & P.M. (nas entrelinhas)

Um comentário:

Paulo Vitor disse...

Perfeito!

Belo retrato do que foi aquela noite! Fora o detalhe dos fluidos (kkk), muito legal!