quinta-feira, 7 de maio de 2009

Tiros numa madrugada (conto inacabado)


A noite escondia o pranto de mais um de seus filhos. Abafando suas lamentações, ocultando o rio que despejava de seus olhos, um rio de lágrimas. E o sangue! Vazava de seus poros como suor. Ás vezes a cortina se erguia e criaturas negras que se escondiam nas ruelas esburacadas lançavam olhares de escárnio, guiadas por seu olfato esfomeado. O filho da noite tentava esconder seus ferimentos, pois qualquer sinal de fraqueza o levaria à perdição. Seria devorado ali mesmo por aqueles monstros vis e covardes que se limitavam a sorrir como hienas em um banquete nas savanas africanas.O último combate que havia travado destroçou todo o seu corpo. Cada passo que dava era um esforço descomunal que provocava muita dor. Seu corpo tremia como se sentisse frio. Não ia durar muito mais tempo. Como se não bastasse uma criatura saltou de uma castanheira em direção ao filho da noite e pôs-se a encará-lo. Insinuava suas intenções bestiais, o desejo da carne em suas presas, seus dentes afoitos. Carne. Ossos. Exalava morte através de sua fome de viver. Vida, morte. Intrinsecamente inseparáveis em qualquer viela do que se é conhecido e até mesmo do que nos escapa à sapiência. É a lei. A única verdade absoluta e se apresentava diante daquele desafortunado, perdido demais em suas batalhas interiores para se dar conta de que algo sagrado estava para acontecer. Vida, morte. O próprio ato da procriação é um palco sanguinolento, vil, belo, puro. Onde milhares de indivíduos pré-existentes disputam um espaço na peça principal. Vida, morte. Ele estava alheio a essas reflexões. Estava voltado para sua dor que pungia vagarosamente em cada molécula de seu ser. Vida e morte não mais eram vida e morte. Afinal, o que era alguma coisa naquele momento? Só havia dor. Nada mais. Fechem as cortinas, não há nada mais a se ver por aqui.

(...)

19/04/09 e 07/05/09

I.B.

(Esse texto foi a inspiração para Rios e A irreversível condição do ser.)

Pintura de Van Gogh

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