Tudo estava preparado para o show daquela noite. Os músicos caminhavam pelo espaço contemplando o vazio e tomando cerveja aguada. O baterista e o tecladista se afastaram e foram fazer qualquer coisa no banheiro. Voltaram elétricos e inspirados. Literalmente inspirados. O vocalista sentou-se no palco e garranchou o setlist daquela noite enquanto o baixista aquecia seus dedos com exercícios costumeiros pré-concerto.
Há apenas meia hora de começar não havia sinal de platéia alguma. O que começou a preocupar a banda. Aliás, o lugar todo parecia um vasto salão abandonado onde só havia eles, uma lâmpada em forma de gaiola, um furgão velho, suas distrações e mais nada. O cantor se dirigiu à portaria assobiando qualquer melodia improvisada e não havia ninguém do lado de fora. Aliás, só havia aquele estabelecimento fincado no meio de uma planície desértica.
Sentaram-se no meio fio que separava a casa de show da noite desolada como cinco pássaros em um poleiro. Cinco passarinhos que já não cantam mais. Miraram o horizonte em silêncio e cada um acendeu um cigarro oferecido pelo baixista. Os últimos cinco cigarros.
Subiram no palco. Tudo já estava plugado, conectado, preparado para a apresentação daquela noite. A luz se apagou e um minuto de silêncio foi cortado por um mi menor que soou por uns cinco segundos. É hora do show!
Conforme a primeira música era executada por aqueles cinco sujeitos, movimentos curiosos aconteciam no meio do escuro. Como se o próprio escuro estivesse se mexendo, embalado pelo ritmo da música. A reverberação dos sons começou a mudar, os ecos se tornaram ocos, os acordes mais sólidos para se ajustar à comoção que acontecia lá embaixo na platéia. Um público composto por sombras humanóides que dançava obedientemente à cadência da música.
Quando havia aquele "silêncio" por parte da banda de uma composição para outra se ouvia as vozes de baixo daquelas criaturas esquisitas que se desenrolavam com um sotaque meio oriental com algumas sílabas guturais. Findada a apresentação, a lâmpada se acendeu novamente.
Os músicos se entreolharam e começaram aquela velha rotina de desmontar toda a estrutura de show e levar tudo para a velha caranga. Estava frio lá fora e os músculos cansados. Depois de empilharem tudo no furgão, sacaram aquela velha garrafa de whisky esquecida no tapete do carro e revezaram as tragadas enquanto o cantor do grupo assobiava alguma melodia familiar e recente. Um solo convincente talvez. O guitarrista sacou o violão e a noite perdurou cheia de vida, no meio daquela planície sozinha.
Um Espaço Imaginário onde a Voz dos Loucos soa mais Forte... Um Espaço onde Ariel e Caliban estarão eternamente a digladiar...
terça-feira, 17 de setembro de 2013
quinta-feira, 30 de maio de 2013
"FICA"
Mais um dos meus amigos faleceu,
acredito que na manhã deste dia 30 de Maio de 2013. Não tenho tanta certeza
deste fato porque ele morreu só e não havia testemunhas. Mas, seu corpo
desfalecido conservava a tranquilidade de alguém que estava simplesmente
dormindo, se não fosse pelos seus olhos abertos e opacos que denunciavam o seu
destino. Seus olhos expressavam uma melancolia tamanha que me fizeram
compreender o que se passava em seu leito de morte. Ainda havia um pouco de
calor que era emitido de seu estômago enfermo, uma das razões de seu fatídico
revés. Eu ainda assobiava para ele e dava-lhe afagos em sua cara sem vida. Meu
pai cavou uma vala funda para repousar os seus restos e o jogamos como se fosse
um saco de batatas podres... aquelas perninhas magras e aquele focinho que
outrora vivia úmido e cheirando coisas, inclusive a minha pele quando voltava
de viagens longas ou simplesmente aquelas que depositam muitos aromas distintos
em nossas roupas. Um dos meus mais valorosos amigos, que sempre me visitava
durante o meu sono representado de múltiplas formas e transmitindo múltiplas
mensagens, pois fora daí para ele era impossível se comunicar comigo além de
pedir comida, água, afagos, companhia. Sempre balançando o seu rabo peludo e
frenético de boca sempre aberta expondo a sua língua proeminente e de certa
forma introvertida, pois ele diferente dos outros de sua espécie não tinha o
hábito de lamber. Também não me recebia com saltos e patadas sujas sobre o
peito, isso só acontecia ocasionalmente. Ele se contentava apenas em deitar ao
lado de alguém ou ficar no quintal espiando pela porta quando esta estava
aberta. Caso contrário, se erguia sobre as cinco janelas que o separavam de
dentro de casa e nos observava ou pedia alguma coisa nem que fosse para abrir a
porta: “ei, estou aqui”. Nos últimos dias ele regurgitava todo o alimento que
ingeria e silenciosamente sentia dores em seus quartos idosos de uma década de
existência. Sinto-me como um vampiro enquanto escrevo, aprisionado na condição
de ter que passar por várias eras e me contentar com todos os que morrerão a
minha volta enquanto eu permaneço ileso. Nós somos imortais enquanto os cães
despencam sobre o solo rígido de nossas moradas de concreto. Ele chegou lá em
casa quando eu tinha 15 anos, ele era um bebê agitado e inofensivo e uma década
se passou e nada mudou. O meu amigo mais prestativo, o que se atirava para
frente dos lugares antes que eu chegasse para ver se estava tudo bem, o que
guardava o meu sono com um senso de dever e responsabilidade invejáveis. Há
dois dias atrás eu tive pesadelos sobre a dor que ele sentia e acordei
transtornado. Eu sabia que ele ia morrer em questão de dias e o deixei na casa
da praia sem saber que esse dia seria o último que eu o veria em vida. No
caminho, dentro do carro, nós tivemos o último contato corporal e íntimo. Eu o
segurava no banco de trás como sempre o fazia quando o transportava de carro
para algum lugar e lembro que ele deitou sobre meu colo e senti amor naquele momento,
senti conforto e calma e ali ele permaneceu até voltar ao seu alvoroço e
ansiedade comuns de querer olhar para tudo e chegar logo a algum lugar. Desci
do carro enquanto meu pai abria o portão e o deixei sair para onde quisesse.
Estava livre. Havia alguns cachorros curiosos, mas ele sempre me pareceu
indiferente aos outros de sua espécie. Sua relação com os outros era de puro e
genuíno desinteresse, mas eu desconfiava que ele fosse simplesmente muito
tímido. Esquentei a sua comida com água quente, pus água em sua tigela e no
outro dia voltaria e faria a mesma coisa e ele sabia disso, pois sempre quando
eu me despedia ele permanecia no mesmo lugar e me recebia no mesmo lugar. No
início da varanda perto da torneira. Meus pais foram levar-lhe a comida nesta
manhã e me informaram sobre o fato de ele ter vindo a óbito. Nessas horas, só
pensei em que tipo de dor ele deve ter sofrido. E talvez, maior do que o seu
estômago vazio e cáustico e seus ossos doloridos que faziam com que levantar-se
de um agradável sono de fim de tarde se tornasse um esforço hercúleo, morrer só
tenha sido o maior castigo que ele poderia ter tido. Longe de todos aqueles que
o amavam e de todos aqueles que ele protegia com seus dentes ferozes. Se não me
engano, foi Tolstoi quem disse que a felicidade só é plena se compartilhada e
os cães são a prova disso. Sempre balançando os seus rabos não importa o que
tenha acontecido. O mesmo vale para a dor, a tristeza... Ela só mingua se
compartilhada, ela se torna suportável. A solidão é anti-natural e isso é
facilmente verificável quando observamos fenômenos naturais e sociológicos. A
solidão é a estrada para a morte. Sempre ouvi dizer que os cães quando estavam
diante da própria morte se afastavam e morriam solitários. Mas, ele, Chatran,
se recusou a morrer como um cão. Seu corpo sem vida jazia no mesmo lugar em que
eu me despedia dele sempre que o deixava na casa da praia, no mesmo lugar em
que ele me aguardava quando eu regressava para dar-lhe o que comer. Havia
vestígios de que ele havia estado em outros lugares na casa, mas ao que me
parece, o início da varanda era um local importante para ele. Simbolizava
esperança, dever talvez. Esperou pacientemente o momento em que ele poderia
balançar o seu rabo mais algumas vezes.
Chatran* 22 de Fevereiro de 2002 - 30 de Maio de 2013
quarta-feira, 15 de maio de 2013
RA-TIM-BUM
Era criança. Naquele momento de nossa existência em que a nossa consciência parece despertar do vazio absoluto se não fossem pelas fotografias e histórias repetidas cotidianamente que nos fazem recordar ou reconhecer que somos aquele mesmo indivíduo que... mordia as visitas que apareciam ocasionalmente!
Eu havia literalmente despertado e estava tudo tão escuro, não havia ninguém para me amparar durante a, talvez, minha primeira grande revelação. Estava atordoado com aquilo tudo. Eu quase nem sabia quem eu era se é que eu soube alguma vez. Como fui parar ali? Quantos anos eu deveria ter agora? Acho que ontem eu deveria ter uns três anos e aparentemente agora eu deveria ter pelo menos o dobro.
Como eu dizia, estava escuro e conforme eu ia recobrando a minha consciência após ter me levantado daquela cama estranha eu pude escutar as vozes em harmonia. Vozes e palmas ensurdecedoras. Um frenesi rítmico repetindo a mesma frase por pelo menos duas vezes: "é pique". Coloquei a minha cabeça sorrateiramente para fora da porta e pude ver várias pessoas ao redor de uma mesa e havia uma chama bem no meio. Parecia ser uma vela.
As vozes em uníssono pareciam se encaminhar para o seu destino final enquanto repetiram três vezes outra frase: "é hora". Senti calafrios em minha espinha e uma vertigem de me atirar para o meio daquelas pessoas hipnotizadas pela cantoria, que fazia questão de ressoar para fora com mais força as vozes femininas. Vi as sombras refletirem cambaleantes nas paredes e conforme o ritual se aproximava do fim elas pareciam cada vez maiores.
"RA-TIM-BUM!". Imediatamente minha vista foi ofuscada por uma luz tremenda que foi emitida da vela. Gargalhadas caricaturais que pareciam ter vindo de qualquer filme do Zé do Caixão reverberavam pelas paredes e mesmo sem enxergar eu me joguei de volta para a cama na qual acordei. Me cobri com o lençol grosso que estava ali ao alcance das minhas mãos enquanto escutava vários barulhos. Vidros se estilhaçando no chão, vozes horríveis gritando em alto volume sem medo de acordar coisas ocultas, portas se chocando fortemente como se terrivelmente empurradas por alguma força descomunal, gemidos lancinantes que estupravam os meus ouvidos.
O fedor amoníaco que se desprendia das paredes conforme a noite se prolongava começava a me causar náuseas... Finalmente, escutei algo adentrando o quarto em que eu estava. Tinha certeza que estava me observando. Era uma eternidade aquele momento em que lá estava eu, me fingindo de morto, prendendo a minha respiração e aquela criatura ofegante e fétida insistia em permanecer ali me olhando. Quase como se soubesse o que eu estava pensando e com a intenção de me torturar friamente até que decidisse me levar à reunião com toda aquela barafunda macabra.
Podem ter se passado anos, nunca pude calcular. O temor de que aquela massa orgânica e demoníaca finalmente crave as suas garras em mim é interminável. Estou aqui deitado sobre essa mesma cama velha e fria que mal cabem as minhas pernas e a insanidade prossegue neste lugar abandonado por DEUS. Ele ou ela ou isso, ainda está ali me observando. Prostrou-se no chão e tenho certeza de que não tira os olhos de mim.
Um grito estridente veio de algum lugar lá fora. Tomo um susto e acabo soltando mais ar do que devia. Para onde eu vou correr? Permaneço no mesmo lugar. Estático. Com a mesma atitude de quando eu era um menino. Aprisionado em um quarto escuro com um torturador especialmente sádico no infinito dos tempos.
Eu havia literalmente despertado e estava tudo tão escuro, não havia ninguém para me amparar durante a, talvez, minha primeira grande revelação. Estava atordoado com aquilo tudo. Eu quase nem sabia quem eu era se é que eu soube alguma vez. Como fui parar ali? Quantos anos eu deveria ter agora? Acho que ontem eu deveria ter uns três anos e aparentemente agora eu deveria ter pelo menos o dobro.
Como eu dizia, estava escuro e conforme eu ia recobrando a minha consciência após ter me levantado daquela cama estranha eu pude escutar as vozes em harmonia. Vozes e palmas ensurdecedoras. Um frenesi rítmico repetindo a mesma frase por pelo menos duas vezes: "é pique". Coloquei a minha cabeça sorrateiramente para fora da porta e pude ver várias pessoas ao redor de uma mesa e havia uma chama bem no meio. Parecia ser uma vela.
As vozes em uníssono pareciam se encaminhar para o seu destino final enquanto repetiram três vezes outra frase: "é hora". Senti calafrios em minha espinha e uma vertigem de me atirar para o meio daquelas pessoas hipnotizadas pela cantoria, que fazia questão de ressoar para fora com mais força as vozes femininas. Vi as sombras refletirem cambaleantes nas paredes e conforme o ritual se aproximava do fim elas pareciam cada vez maiores.
"RA-TIM-BUM!". Imediatamente minha vista foi ofuscada por uma luz tremenda que foi emitida da vela. Gargalhadas caricaturais que pareciam ter vindo de qualquer filme do Zé do Caixão reverberavam pelas paredes e mesmo sem enxergar eu me joguei de volta para a cama na qual acordei. Me cobri com o lençol grosso que estava ali ao alcance das minhas mãos enquanto escutava vários barulhos. Vidros se estilhaçando no chão, vozes horríveis gritando em alto volume sem medo de acordar coisas ocultas, portas se chocando fortemente como se terrivelmente empurradas por alguma força descomunal, gemidos lancinantes que estupravam os meus ouvidos.
O fedor amoníaco que se desprendia das paredes conforme a noite se prolongava começava a me causar náuseas... Finalmente, escutei algo adentrando o quarto em que eu estava. Tinha certeza que estava me observando. Era uma eternidade aquele momento em que lá estava eu, me fingindo de morto, prendendo a minha respiração e aquela criatura ofegante e fétida insistia em permanecer ali me olhando. Quase como se soubesse o que eu estava pensando e com a intenção de me torturar friamente até que decidisse me levar à reunião com toda aquela barafunda macabra.
Podem ter se passado anos, nunca pude calcular. O temor de que aquela massa orgânica e demoníaca finalmente crave as suas garras em mim é interminável. Estou aqui deitado sobre essa mesma cama velha e fria que mal cabem as minhas pernas e a insanidade prossegue neste lugar abandonado por DEUS. Ele ou ela ou isso, ainda está ali me observando. Prostrou-se no chão e tenho certeza de que não tira os olhos de mim.
Um grito estridente veio de algum lugar lá fora. Tomo um susto e acabo soltando mais ar do que devia. Para onde eu vou correr? Permaneço no mesmo lugar. Estático. Com a mesma atitude de quando eu era um menino. Aprisionado em um quarto escuro com um torturador especialmente sádico no infinito dos tempos.
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Dor!
Dor!
No peito, no ombro, no intangível
A dor com causa no invisível
Que faz a unha roer, que faz a vida ruir
Pervertida, sombria, e aguda
A dor no peito, que corta, que assusta
Me faz morar na agonia
Essa insônia, um sofrer óbvio
Melancolia, transtorno, ódio
É muita angústia, pouco pavio
Há pouco ar...
Eu senti medo e fiquei sóbrio
Eu senti ódio e fiquei bêbado
Frenético, louco e sem controle
Um pouco só
Um pouco zelo
Por pouco tive à mim mesmo
Por pouco
Pesadelo.
A dor no peito a que me entrego
A dor de medo do que quero
A dor que é pura fantasia
Que migra a carne quando penso
Que é desatino desatento
A dor que some quando eu rio
É pálida, sombria, é vazio
E põe a alma por um fio
Ao que me exponho em duvidar
Se viver é preciso
Se me é necessário
Allysson T.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Máscaras
Ele peidava bastante. Às vezes era engraçado, outras o fedor superava a graça e muitas outras vezes era simplesmente peido. Um rascunho de bosta, o devir da cagada, o bafo insuportável da verdade que habita as entranhas, da feiura da vida, do enxofre dos infernos, da sopa primordial.
Um dia ela negou a tolerância, a coexistência com o peido alheio. Irritou-lhe as narinas molestadas, o fastio corroeu a sua moral e até mesmo a sua biologia. A podridão pertence aos abutres, aos siris, às baratas, vermes e ratos. À essa corja maldita! e de forma alguma deveria ser disposta aos valores humanos, ao menos nos mais imediatos.
Cheirar o peido do outro é como aspirar o que há de mais podre dentro dele. É quase como um vírus, um parasita, um germe nocivo à saúde... É tão íntimo e palpável, que nos afeta no âmbito abstrato, no campo florido das ideias, de tanto impregnar-nos fisicamente. A coisa transborda e foge para o sonho se estiver dormindo, para o pesadelo se estiver acordado. Não existem barreiras dimensionais.
Suja as vestes, os biscoitos, as trepadas, suja tudo com sua imundície arbitrária.O som do peido é o rufar de tambores que precede a batalha, é a sirene do misterioso e derradeiro ataque das tropas inimigas. Ninguém sabe de que forma será atingido por mais que ele seja prenunciado.
- Você parece uma bomba de gás - ela disse.
Aquilo pareceu afetá-lo como uma punhalada nas costas, uma confissão de um segredo horripilante, a revelação de uma mentira habilmente escondida por debaixo de seu próprio nariz ou uma acusação contundente e inesperada. Ela não deu muita atenção. Estava muito aborrecida com os peidos para se incomodar com uma reação exagerada por parte dele. Afinal, eram só peidos e nada mais.
Só estava cansada de ter que inalá-los ao menos umas 30 vezes por dia. O amor que sentia por ele, compensava o fedor que muitas vezes se desprendia de seu intestino voluntariamente em seus momentos íntimos e algumas raras vezes, acidentalmente, em locais públicos. Apesar de se questionar sobre a suportabilidade, geralmente sem se levar muito a sério. Mas, ele começou a agir estranhamente desde que ela se manifestou em relação a suas bufas.
Já não a olhava da mesma forma, parecia evitar alguma coisa. Evitava emitir gases de seu ânus na presença dela e muitas vezes ela apenas sentia o horrível cheiro como rastros abandonados no banheiro. Certa vez, até mesmo se pegou sentindo saudades dos velhos e quase ritualísticos peidorreiros cotidianos.
- Por que está assim? Já faz um mês! O que foi que houve? Por que não me olha mais nos olhos?
Ele a encarou com uma expressão melancólica em seu rosto e segurou as suas mãos. Tomou um pouco de ar e parecia que finalmente decidiu falar alguma coisa, mas preferiu não dizer nada trancando-se desesperadamente no banheiro.
- Ei! O que foi que houve? Me diga alguma coisa!
Ele abriu a porta liberando aquele velho e insuportável cheiro de ovo podre e sob aquele cáustico e pantanoso ambiente, ajoelhou-se e retirando a sua camiseta regata, rasgou a própria carne com os seus dedos, revelando uma estrutura metálica ao invés de ossos, de sangue, de alguma coisa orgânica.
- Eu sou uma bomba de gás - disse aos prantos enquanto peidava.
Um dia ela negou a tolerância, a coexistência com o peido alheio. Irritou-lhe as narinas molestadas, o fastio corroeu a sua moral e até mesmo a sua biologia. A podridão pertence aos abutres, aos siris, às baratas, vermes e ratos. À essa corja maldita! e de forma alguma deveria ser disposta aos valores humanos, ao menos nos mais imediatos.
Cheirar o peido do outro é como aspirar o que há de mais podre dentro dele. É quase como um vírus, um parasita, um germe nocivo à saúde... É tão íntimo e palpável, que nos afeta no âmbito abstrato, no campo florido das ideias, de tanto impregnar-nos fisicamente. A coisa transborda e foge para o sonho se estiver dormindo, para o pesadelo se estiver acordado. Não existem barreiras dimensionais.
Suja as vestes, os biscoitos, as trepadas, suja tudo com sua imundície arbitrária.O som do peido é o rufar de tambores que precede a batalha, é a sirene do misterioso e derradeiro ataque das tropas inimigas. Ninguém sabe de que forma será atingido por mais que ele seja prenunciado.
- Você parece uma bomba de gás - ela disse.
Aquilo pareceu afetá-lo como uma punhalada nas costas, uma confissão de um segredo horripilante, a revelação de uma mentira habilmente escondida por debaixo de seu próprio nariz ou uma acusação contundente e inesperada. Ela não deu muita atenção. Estava muito aborrecida com os peidos para se incomodar com uma reação exagerada por parte dele. Afinal, eram só peidos e nada mais.
Só estava cansada de ter que inalá-los ao menos umas 30 vezes por dia. O amor que sentia por ele, compensava o fedor que muitas vezes se desprendia de seu intestino voluntariamente em seus momentos íntimos e algumas raras vezes, acidentalmente, em locais públicos. Apesar de se questionar sobre a suportabilidade, geralmente sem se levar muito a sério. Mas, ele começou a agir estranhamente desde que ela se manifestou em relação a suas bufas.
Já não a olhava da mesma forma, parecia evitar alguma coisa. Evitava emitir gases de seu ânus na presença dela e muitas vezes ela apenas sentia o horrível cheiro como rastros abandonados no banheiro. Certa vez, até mesmo se pegou sentindo saudades dos velhos e quase ritualísticos peidorreiros cotidianos.
- Por que está assim? Já faz um mês! O que foi que houve? Por que não me olha mais nos olhos?
Ele a encarou com uma expressão melancólica em seu rosto e segurou as suas mãos. Tomou um pouco de ar e parecia que finalmente decidiu falar alguma coisa, mas preferiu não dizer nada trancando-se desesperadamente no banheiro.
- Ei! O que foi que houve? Me diga alguma coisa!
Ele abriu a porta liberando aquele velho e insuportável cheiro de ovo podre e sob aquele cáustico e pantanoso ambiente, ajoelhou-se e retirando a sua camiseta regata, rasgou a própria carne com os seus dedos, revelando uma estrutura metálica ao invés de ossos, de sangue, de alguma coisa orgânica.
- Eu sou uma bomba de gás - disse aos prantos enquanto peidava.
30 minutes or less
- Me surpreendi com outro blockbuster! Engraçado como este termo pode soar bastante pejorativo para algumas pessoas. Pra variar foi uma comédia. Vai querer uma cerveja?
- Pode trazer!
- Já estou um pouco embriagado. Acabei de assistir ao "diário de um jornalista bêbado", inclusive. Foram algumas cervejas. Prefiro devanear com vinho ou qualquer outra coisa. Mas, cerveja serve.
- Espero que tenha algo sagaz para me dizer desta vez. Sinceramente, não me convenceu com a outra hipótese. São apenas fantasias extraídas de um roteiro insosso. A super-interpretação de... uma obra de Duchamp, por exemplo.
- Você é um sujeito muito pragmático, sabia? E não sabe do que está falando! Aliás, precisa enxergar mais quando os seus olhos estão irremediavelmente trancados. Sonhar é essencial e falo também em termos de essência do ser, a latência da vivacidade.
- Tenho você aqui para me presentear com suas visões divinas. Se eu me afastar da minha função poderia causar, sei lá, um cataclisma cósmico ou algo do gênero. Você é o sonhador... eu sou apenas o seu vigia. Aquele que cuida para que nada fuja do controle e acabe destruindo o primeiro muro do primeiro bar que você aterrissar com a sua sede etílica.
- Ah! a cerveja!
- Não tá tão gelada, mas dá pro gasto!
- "30 minutos ou menos"... é sobre um entregador de pizza, que acaba sendo sequestrado por dois sujeitos que pretendem assaltar um banco, durante uma entrega. Implantam uma bomba no entregador e o obrigam a realizar o crime por eles, caso contrário ativarão a bomba que o explodirá. Seria um roteiro de um filme de ação se não fosse pela característica nitidamente cômica das situações e os atores selecionados também contam muito. O filme poderia não ser nada demais se não fossem as belíssimas cenas dramáticas. A comédia e o drama andam sempre de mãos dadas ou ao menos desvencilhadas por alguma discordância, mas sempre caminhando na mesma praia. Ou ao menos deveria ser assim... Este filme faz isso com primazia.
- A cerveja está realmente quente...
- Na iminente possibilidade da morte, que poderia se suceder com apenas um clique, o entregador se declara para o seu amor, que é irmã do seu melhor amigo... Enfim, essas informações não me convêm agora. Você precisa assistir. Sentir o drama no momento em que o dilema de apertar ou não o botão que poderia fazer a personagem principal explodir pelos ares... O embate dos dois sequestradores, o conflito de suas motivações, do caráter dos "bandidos". Isso não se vê em qualquer produção deste tipo. O jeito como eles imbuíram a história bastante cômica com humanidade... Enfim... O entregador finalmente se dirige ao banco para realizar o assalto com o seu amigo da forma mais pateta possível. Ao conseguirem a sacola com dinheiro, colocada por uma funcionária do banco, o entregador se sente na obrigação de dar uma parte a um dos reféns que está no banco e foi atingido acidentalmente por um tiro. Quando o refém se dispõe a pegar alguns maços de dinheiro, uma jatada de tinta (dispositivo usado por bancos) é disparado no rosto do refém comprometendo o valor das cédulas que agora estariam identificadas como frutos de um assalto. O entregador e seu amigo a ameaçam e a obrigam a colocar mais dinheiro em uma sacola providenciada por eles, mas dessa vez sob a mira de uma arma e sob a vigilância deles. Ela afirma que esse é um procedimento da empresa e por isso agiu daquela forma. Ela recoloca o dinheiro e dessa vez sob a mira de uma arma (que na verdade é falsa, mas ninguém sabe).
- Hum...
- Bom, várias situações angustiantes se revelam para o entregador e o seu amigo e eles passam por péssimas situações. Se envolvem com um assassino de aluguel, a amada do entregador é sequestrada e ameaçada pelos "bandidos"... Muitas situações atípicas na vida de pessoas "normais" se sucedem a partir do assalto ao banco e o fato de o individuo estar com uma bomba amarrada ao seu corpo faz com que a reflexão sobre a iminência da morte seja tema constante no filme. Mas, pode não parecer genial pra você... aqui... agora... é muito sutil e até muito distante da nossa experiência-memória em estar assistindo ao filme, ao contrário do meu relato, mas...
- Não sei por que, mas acho que vai me surpreender muito menos do que da outra vez.
- No final do filme, quando as personagens resolvem tudo de uma vez por todas e consideram a oportunidade de ficarem com parte do que fora roubado, o jato de tinta é disparado de dentro da sacola. A funcionária do banco, mesmo sob a mira de uma arma defendeu a sua empresa, a sua função, em um curto período. Alguns segundos, ela refletiu sobre a morte, a iminência dela, em alguns segundos para defender algo que, aparentemente, não é crucial para a sua existência, que não iria afetá-la, aparentemente, de forma alguma em contraponto com o onipresente dilema de vida e morte que a personagem principal enfrenta do início ao fim em um espaço temporal infinitamente maior do que a mulher por sua própria vida que é ameaçada diretamente e por aqueles aos quais ele preza mais do que a si próprio... É um filme sobre amizade e plasticidade. Mas, não é óbvio. É tão blockbuster que passa desapercebido.
segunda-feira, 11 de março de 2013
The Will To Death
Ninguém verá como me prostrarei quando minha hora chegar
Nem minha própria morte da qual vou me antecipar
Me esconderei nas profundezas mais inacessíveis
Para que nem o esquecimento possa me achar
Não se ouvirá mais gritos, ritos e gargalhadas
Não se ouvirá mais nada
Enganarei a vida e os vivos
E me disseminarei como uma tosse em um minuto vão
Em um quarto surdo de uma mansão muda
Sem gritos, ritos e gargalhadas
Vou me mudar para longe e tão longe que nem lágrimas me farão homenagem
E nem canções me trarão do caixão
Para a companhia dos que ainda respiram, sofrem, fodem
Não restará nem o rabisco do meu risco
Nem o cisco do meu bem quisto e arisco ismo
Cisma
Ouros e tolos em toldos e
Vozes silvestres e falas arestas
De seres devassos e solos nefastos
E eu me enterro na terra que não pertence ao mundo
Chafurdo a lama que não é a morada dos porcos
E o spa dos elefantes
Eu sufoco nas veias do ostracismo
Nas páginas jamais escritas de um espectro da literatura
Serei a nota fantasma do rufar da bateria
Serei eu mesmo o companheiro do ponteiro
O ritmo do silêncio
O sêmen que desceu pelo ralo
O defunto sem cheiro
O tempo
Nem minha própria morte da qual vou me antecipar
Me esconderei nas profundezas mais inacessíveis
Para que nem o esquecimento possa me achar
Não se ouvirá mais gritos, ritos e gargalhadas
Não se ouvirá mais nada
Enganarei a vida e os vivos
E me disseminarei como uma tosse em um minuto vão
Em um quarto surdo de uma mansão muda
Sem gritos, ritos e gargalhadas
Vou me mudar para longe e tão longe que nem lágrimas me farão homenagem
E nem canções me trarão do caixão
Para a companhia dos que ainda respiram, sofrem, fodem
Não restará nem o rabisco do meu risco
Nem o cisco do meu bem quisto e arisco ismo
Cisma
Ouros e tolos em toldos e
Vozes silvestres e falas arestas
De seres devassos e solos nefastos
E eu me enterro na terra que não pertence ao mundo
Chafurdo a lama que não é a morada dos porcos
E o spa dos elefantes
Eu sufoco nas veias do ostracismo
Nas páginas jamais escritas de um espectro da literatura
Serei a nota fantasma do rufar da bateria
Serei eu mesmo o companheiro do ponteiro
O ritmo do silêncio
O sêmen que desceu pelo ralo
O defunto sem cheiro
O tempo
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Ghostbusters
- Três sujeitos estão envolvidos com pesquisas sobre eventos
paranormais em algum lugar dos Estados Unidos, mais precisamente algum lugar de
Nova Iorque, e após algum tempo são expulsos pelo reitor por causa do conteúdo
de suas atividades acadêmicas que não produziam muitos (na verdade nenhum)
resultado. São na verdade considerados uma farsa. Mas, eles realmente acreditam
que estão chegando a algum lugar com as suas teorias que se utilizam de
parapsicologia e de física para sustentá-las. Eles decidem criar um quartel
general em um antigo prédio dos bombeiros para sediar a sua organização que
servirá para investigar fenômenos sobrenaturais, mas não há demanda alguma até
que muito tempo depois alguém os procura para relatar sobre um fenômeno
paranormal que ocorrera em sua casa, ovos fritando sozinhos, geladeiras
servindo como portais para uma dimensão infernal...
- Terror barato de Hollywood.
- Após aquele primeiro chamado, muitos outros começam a
surgir. A demanda por aquilo que outrora não existia passa a se espalhar como
um germe e aparições de criaturas espectrais são testemunhadas por várias
pessoas. Os três sujeitos agora vão
parar na televisão, anunciando o seu serviço de caça às criaturas dessa outra
dimensão. A dimensão dos mortos. Não havia demanda alguma antes da primeira
pessoa que não fazia parte do grupo dos sujeitos solicitar a ajuda deles.
Lembra de Kafka? Aquela história onde havia um sujeito condenado por um crime
que desconhecia... Ele estava procurando descobrir porque estava sendo acusado de
um crime que não sabia dizer qual teria sido e inclusive as próprias
autoridades e aqueles que trabalhavam a serviço das leis não sabiam ou mesmo
lhes era desnecessário informá-lo sobre o que ele teria feito de tão grave. Com
o passar do tempo, o sujeito passou a aceitar a sua condição de ignorância e
relutantemente se resigna de sua condição. No início você e o sujeito estão
angustiados com a situação, mas no final só resta você. É baseado nesta ótica
do leitor que sente estas impressões ao ler Kafka que Dan Aykroyd e Harold
Ramis compuseram a sua grande piada só que no sentido inverso. Neste caso,
naturalizamos o absurdo, o trazemos para o nosso entendimento ao invés de
contestá-lo furiosamente.
- Sobre o que exatamente está falando? Não compreendo aonde
quer chegar.
- Estou falando sobre os arautos da loucura. Estou falando
sobre três sujeitos que disseminaram os seus devaneios esquizofrênicos para uma
das maiores e mais cosmopolitas cidades do mundo. Você já assistiu
Caça-Fantasmas?
- Claro. Aquele filme de comédia. Era sobre ele que estava
falando! Eu assistia até o desenho.
- O filme de comédia e não de terror barato. Aliás, o filme
conta com a participação de Bill Murray que é um dos grandes comediantes
norte-americanos da década de 80.
- E o que Kafka tem a ver com esse filme? Aliás, por que
estamos conversando justamente sobre esse filme?
- Porque talvez você tenha perdido a grande piada. Afinal,
poderiam ter contratado atores de filmes de ação e não o fizeram. O filme foi
escrito por comediantes e atuado por comediantes. E o mais engraçado do filme é
o quão ambíguo ele é e o quão direto ele é e nós adotamos a postura de
"estou vendo um filme de ficção". Mas, isto está errado. A intenção
deles é nos confundir e os dois filmes começam apresentando situações absurdas,
impossíveis. Eles determinam a sua postura inicial que se mantém até o final
dos dois filmes e além.
- E que postura seria essa?
- Você negligencia a possibilidade de tudo aquilo não passar
de alucinações. O filme é na verdade sobre três sujeitos esquizofrênicos ou sob
efeito de alguma substância química extremamente poderosa.
- Talvez você esteja supervalorizando o filme.
- Se você observar o filme desta maneira, ele se torna
extremamente engraçado. E outra coisa que eu tenho para acrescentar sobre esta
discussão é que a qualidade maior da arte não é a intenção do artista, mas a
pluralidade de suas impressões. Eu já te falei que Cheech aparece na sequência
desse filme?
- De Cheech and Chong? Aliás, existe algo que me convença da
sua tese? Porque para mim aquele não passa de um filme mediano feito para
entreter as pessoas e que me fazia companhia nas tardes Globais. Ou passava de
noite? Nem me lembro bem.
- Talvez fosse necessário uma outra sessão para você
compreender o que estou tentando te falar. Não há nem mesmo entrelinhas, a
piada é direta e de fácil acesso a depender das suas referências de perspectiva
ao assistir à obra que para mim foi genial pois é arte disfarçada de puro
entretenimento.
- Vamos supor que eu nunca mais assista a essa pérola dos
anos 80...
- Vamos lá, eu vou dizer-lhe tudo que me vier à cabeça para
tentar convencê-lo do que eu vi. Primeiro, percebemos que os três sujeitos são
expulsos por não produzirem nenhum conteúdo em suas pesquisas na universidade.
Esse clima de resistência por parte das outras pessoas é um tema recorrente nos
dois filmes. Os três caça-fantasmas são considerados farsas e em determinado
momento até loucos. Chegam, inclusive, a ser internados. Quando eles começam a
ser requisitados para investigar e expulsar espectros fantasmagóricos por uma
quantidade crescente de pessoas, um radialista afirma que algumas pessoas dizem
que os sujeitos são na verdade a origem disso tudo. O que é bastante plausível,
pois assim que suas ideias se espalham cada vez mais, mais fantasmas aparecem e
mais pessoas começam a vê-los. Não é coincidência, é parte do fenômeno inverso
Kafkiano que eu mencionei antes, o absurdo vai se alojando gradativamente nas
periferias da realidade e com o passar do tempo em seu próprio bojo.
Autoridades, por exemplo, resistem à possibilidade de existirem fantasmas, indo
de encontro às crenças da população. Em determinado momento do primeiro filme,
um agente de questões relativas ao meio ambiente tenta parar as atividades dos
sujeitos e tenta se utilizar da força policial para desligar algumas máquinas
que armazenavam energia no Q.G. dos cientistas. O policial se recusou a fazer
isso, pois convencido pelos Caça-Fantasmas, acreditava que aquilo pudesse
provocar uma grande explosão. Tem o caso do julgamento no tribunal conduzido
por um enfurecido juiz (que representa a lei ou a falta dela) e os sujeitos tem
como advogado de defesa uma das personagens mais desequilibradas deste circo de
horrores para provar que os Caça-Fantasmas não são criminosos e sim os bons
mocinhos. Se a gente fosse pensar também em termos de Cultura Popular e
Indústria Cultural poderíamos relacionar estes conceitos aos assuntos abordados
em questão. Mas, anteriormente eu falei em cientistas, não foi? A verdade. Os
três sujeitos, ainda que um deles não compartilhe dos enormes debates
envolvendo termos extremamente específicos de linguagem técnica da física,
química e etc, são considerados cientistas. Pois, eles são os difusores da
verdade, os arautos da loucura.
- Continue (sic).
- Quando eu era pequeno, eu costumava brincar de ser um
herói. Eu e meus amigos criávamos personagens e histórias e conduzíamos tudo na
base da concordância e da persuasão. Íamos contando a história e fingindo ser
guerreiros com poderes míticos. Uma das personagens, o sujeito negro que
ingressa na equipe dos caçadores de fantasmas ao entrar no grupo é
questionado sobre as suas convicções e crenças. É questionado sobre clarividência
e telepatia e se acredita nestas coisas ao passo que responde "contanto
que me paguem, eu acredito em qualquer coisa". A meu ver ele era um
indivíduo que apenas via nesta histeria coletiva a qual ainda não fazia parte,
uma oportunidade de sobrevivência. Mas, com o passar do tempo ele passa a
vivenciar as mesmas experiências de seus colegas de trabalho e, inclusive, é
responsável por uma das teorias mais chocantes do surgimento dos vários
fenômenos que se espalharam pela cidade de Nova Iorque. Ele relaciona o que
está acontecendo a algum trecho do Juízo Final do Apocalipse bíblico. No
momento em que ele profere aquelas palavras referentes aos mortos voltarem de
seu descanso eterno ao mundo dos vivos, um dos sujeitos do grupo original dos
Caça-Fantasmas faz uma cara de espanto e desvia o assunto ligando o rádio. O
que pode ter parecido um reflexo de apreensivo por parte da personagem, a meu
ver foi um episódio muito maior. O espanto não foi gerado pela possibilidade de
algo que foi mencionado na bíblia estar acontecendo, mas, creio eu, e admito
que este trecho em específico é bastante ambíguo, foi pelo fato de outra
pessoa, fora do grupo dos três sujeitos, ter participado da brincadeira
psíquica que começou com eles. E a minha teoria da brincadeira de criança se
torna mais evidente com o surgimento daquele monstro gigantesco de marshmallow
chamado de "Stay Puft" que faz parte da cultura norte-americana
(apenas no filme) e é idolatrado pelas crianças. Ou seja, o clímax do
inconsciente manifestado fisicamente (prefiro ver como uma alucinação) daquele
processo esquizofrênico coletivo foi uma figura popular e icônica que fazia
parte da vida das crianças. No segundo filme o colosso é a estátua da liberdade
quem começa a andar e luta contra as forças do mal. Engraçado que entoada por
uma canção que tem em seus versos várias vezes repetida a palavra
"higher".
- ...
- Torradeiras dançando, geléias verdes voando por aí,
declarações de amor exageradas como "vamos fazer um filho" sem ao
menos as partes se conhecerem, acusações sobre estarem espalhando um gás
venenoso pela cidade (no primeiro filme) e existir um líquido chamado por eles
de "ectoplasma" correndo livremente por debaixo da cidade... Tem até uma cena em que o vilão pergunta aos Caça-Fantasmas se eles seriam deuses e um deles (o diretor do filme inclusive) responde que não e o demônio dispara um raio neles. Uma das personagens aparentemente enfurecido faz a seguinte colocação: da próxima vez que lhe perguntarem se é um deus, responda que sim! Você
precisa assistir para entender a verdadeira piada que está sendo contada. A
merda toda é cheia de simbolismos minuciosamente colocados.
- Uma vídeo-reportagem descontraída sobre um pequeno jaguar
visitado por dezenas de pessoas diariamente em um zoológico coreano, se não me
falha a memória, que não pode receber tantas visitas por dia senão pode vir a
enlouquecer... vivendo como aqueles indivíduos de freaky-shows que até me
lembram aquele homem-elefante... um monte de criancinhas de olhinhos puxados
agarrando-o como a um ursinho de pelúcia... E ao final da matéria algum funcionário
desse espetáculo é filmado segurando o pequeno bebê jaguar e olhando para ele
de forma até carinhosa... A repórter que narrava descontraidamente essa notícia
que me causou uma sensação desagradável termina com as seguintes palavras
"minhas unhas estão crescendo, até quando você vai me olhar assim tão de
perto". Isso, meu caro, é uma piada.
Igor Bacelar
Assinar:
Postagens (Atom)