quarta-feira, 15 de maio de 2013

RA-TIM-BUM

Era criança. Naquele momento de nossa existência em que a nossa consciência parece despertar do vazio absoluto se não fossem pelas fotografias e histórias repetidas cotidianamente que nos fazem recordar ou reconhecer que somos aquele mesmo indivíduo que... mordia as visitas que apareciam ocasionalmente!

Eu havia literalmente despertado e estava tudo tão escuro, não havia ninguém para me amparar durante a, talvez, minha primeira grande revelação. Estava atordoado com aquilo tudo. Eu quase nem sabia quem eu era se é que eu soube alguma vez. Como fui parar ali? Quantos anos eu deveria ter agora? Acho que ontem eu deveria ter uns três anos e aparentemente agora eu deveria ter pelo menos o dobro.

Como eu dizia, estava escuro e conforme eu ia recobrando a minha consciência após ter me levantado daquela cama estranha eu pude escutar as vozes em harmonia. Vozes e palmas ensurdecedoras. Um frenesi rítmico repetindo a mesma frase por pelo menos duas vezes: "é pique". Coloquei a minha cabeça sorrateiramente para fora da porta e pude ver várias pessoas ao redor de uma mesa e havia uma chama bem no meio. Parecia ser uma vela.

As vozes em uníssono pareciam se encaminhar para o seu destino final enquanto repetiram três vezes outra frase: "é hora". Senti calafrios em minha espinha e uma vertigem de me atirar para o meio daquelas pessoas hipnotizadas pela cantoria, que fazia questão de ressoar para fora com mais força as vozes femininas. Vi as sombras refletirem cambaleantes nas paredes e conforme o ritual se aproximava do fim elas pareciam cada vez maiores.

"RA-TIM-BUM!". Imediatamente minha vista foi ofuscada por uma luz tremenda que foi emitida da vela. Gargalhadas caricaturais que pareciam ter vindo de qualquer filme do Zé do Caixão reverberavam pelas paredes e mesmo sem enxergar eu me joguei de volta para a cama na qual acordei. Me cobri com o lençol grosso que estava ali ao alcance das minhas mãos enquanto escutava vários barulhos. Vidros se estilhaçando no chão, vozes horríveis gritando em alto volume sem medo de acordar coisas ocultas, portas se chocando fortemente como se terrivelmente empurradas por alguma força descomunal, gemidos lancinantes que estupravam os meus ouvidos.

O fedor amoníaco que se desprendia das paredes conforme a noite se prolongava começava a me causar náuseas... Finalmente, escutei algo adentrando o quarto em que eu estava. Tinha certeza que estava me observando. Era uma eternidade aquele momento em que lá estava eu, me fingindo de morto, prendendo a minha respiração e aquela criatura ofegante e fétida insistia em permanecer ali me olhando. Quase como se soubesse o que eu estava pensando e com a intenção de me torturar friamente até que decidisse me levar à reunião com toda aquela barafunda macabra.

Podem ter se passado anos, nunca pude calcular. O temor de que aquela massa orgânica e demoníaca finalmente crave as suas garras em mim é interminável. Estou aqui deitado sobre essa mesma cama velha e fria que mal cabem as minhas pernas e a insanidade prossegue neste lugar abandonado por DEUS. Ele ou ela ou isso, ainda está ali me observando. Prostrou-se no chão e tenho certeza de que não tira os olhos de mim.

Um grito estridente veio de algum lugar lá fora. Tomo um susto e acabo soltando mais ar do que devia. Para onde eu vou correr? Permaneço no mesmo lugar. Estático. Com a mesma atitude de quando eu era um menino. Aprisionado em um quarto escuro com um torturador especialmente sádico no infinito dos tempos.

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