O espírito corresponde à carne meus caros, a carne também assola a alma. Somos escravos do nosso estômago, obcecados pela sensualidade e penitentes das leis, como vi recentemente em uma publicação, A Perspectiva Estética do Rei Bosta,
"A lei e o desejo, ao mesmo tempo em que operam as suas funções de forma diferenciada, mesclam-se de tal forma que, ao mesmo tempo em que se conflitam, negociam-se. A lei e o desejo são amigos em guerrilhas e inimigos em missões de paz. O que existe é um intermédio que transita entre a lei e o desejo, e é surgindo desse elo que se revela obscuramente o Rei Bosta. Por que uma revelação obscura? Por que revelação quer dizer toda a capacidade do sujeito conseguir se emancipar por se superar dos seus problemas através de sua experiência estética; e obscura por que esse mesmo indivíduo, por ter a lei limitando e coexistindo com seus desejos, impossibilita-o de atingir a sua total emancipação. Por que Rei Bosta? Porque o Rei se sente dono absoluto do Império de seu prazer; e Bosta por que o indivíduo tende a se frustrar ao perceber que não consegue atingir o ápice da sensação desse prazer devido à lei. "
Somos inegavelmente um bando de soberanos de merda, elegidos única e exclusivamente por nós mesmos e legitimados por nossa excruciante jornada eleitoral. Temos uma ideia muito elevada de quem somos e quando nos capturamos diante de um erro, apenas o reforçamos e oprimimos os súditos e a nós mesmos através de nosso leque infindável de práticas totalitárias. Vivemos sob a ditadura do ego, do estômago, da matilha esfomeada, sem um macho alfa definido para nos guiar. Apenas o desejo e suas limitações, vícios, virtudes, mordomias, problemas na colheita, raposas no galinheiro...
"Enfim, o Rei Bosta é um milionário pedindo esmola, e um esmolé se gabando por seu excesso de fortuna."
O prazer é insustentável como um gozo no ato sexual e a frustração é a sombra que estará ali sempre que houver um foco de luz por menor que ele seja. Podemos dividir a tenebrosa condição do ser em uma tríade: desejo, objeto e concessão. Essas seriam as faculdades da existência em sua mais pura representatividade.
O que fazer então, diante dessa problemática desconcertante? Agir como um jardineiro e podar até mesmo as flores mais belas de seu jardim para que elas não invadam o quintal do vizinho? Não semear um grão sequer em lugar algum? E se eu sentir fome e não houver o suficiente para mim, devo mendigar ou roubar? E se eu não tiver um teto seguro sobre mim, onde posso construí-lo? Eu quero que essa ontologia vá ao caralho! Preciso de um banho! Meus poros e minha necessidade estética estão suplicando para mim, até me sinto um Rei por deter dessa capacidade de nutrí-los com uma simples e banal ação cotidiana.
E então, aquele que nasceu como homem, com a sua humanidade plena, pereceu como um animal mendicante... e um murmúrio quase que insonoro.
"- Como um cão! - disse ele; era como se a vergonha devesse sobreviver-lhe."
I.B.
Trechos de A Perspectiva Estética do Rei Bosta por Vina Torto e O Processo de Franz Kafka
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