quinta-feira, 25 de março de 2010

Eu, Eu mesmo e Irene

Não sabia dizer se era dia ou noite, nunca sei. Mas, evidentemente não havia sol algum no céu nebuloso e turvado. Também não havia ninguém ali naquelas ruas vazias de prédios carrancudos, nem mesmo o soar da brisa de dias nublados. De fato, não saberia dizer se era quente, frio, se o dia estava ameno...

Estava só e essa parecia ser a única verdade coerente naquela cidade adormecida. Havia uma constante impressão de que algo estava doente, no meio de todo aquele preto e branco noir. Havia um pulmão cancerado que tossia um suco esverdeado, viscoso e fétido. Eu estava com aquilo agarrado em meu corpo, mas não se via nada. Era como se eu fizesse parte daquilo.

Como em um set de filmagem as pessoas começaram a surgir de seus postos. Alguns rostos familiares, íntimos, outros desconhecidos. Algo no comportamento deles me incomodava, aquela extrema indiferença, aqueles indivíduos pétreos e plásticos e inumanos. As ruas se ocuparam de uma porção deles, como formigas em um formigueiro eles começaram a marchar. Na multidão daquelas múmias, daquelas peças de um jogo de Damas macabro, vi Irene se afastando com uma leve pitada de sadismo no canto da boca. Os olhos pareciam tristes e não condiziam com a perversão de seus lábios ressequidos. Ela desapareceu na neblina, no final de uma linha de trem carcomida, mais pela maresia do que pelo uso. Veio como um raio que clareia o céu, se foi como um trovão que nos perturba a tranquilidade.

A sensação de solidão parecia crescer ainda mais e cada rosto que se apresentava diante de mim revelava uma indiferença que crescia conforme o meu desespero fervilhava em meu estômago. Havia algo de uma natureza torpe que enevoava as ruas e os casebres, as expressões das pessoas. O que eu chamei de solidão deu lugar ao medo, uma persistente sensação de pânico, uma fobia patológica. Tive a impressão de que o pulmão que tomava conta daquele lugar estava sofrendo de uma crise asmática, como se estivesse a espirrar e aquilo se espalhasse por tudo.

Não havia como correr, ou gritar, as paredes e as pessoas eram como a sombra de um viajante, uma companhia onipresente e silenciosa. O catarro invisível me imobilizava, me calava, molestava o meu corpo, eu era um mero espectador daquela lascívia. Dessa vez, eu fiquei tentado a ver de quem eram as mãos que me espremiam contra o asfalto insípido. Aquela figura espectral que ejaculava violentamente em minha alma era nada mais nada menos do que...

Eu mesmo!

Levantei da minha cama e pus as mãos sobre meu rosto suado. Fui à cozinha tomar um pouco de água e tive a impressão de ver alguma coisa se movendo na escuridão dos aposentos. Temos esse mau hábito de nos assustarmos com sombras e me acalmei. Esqueci de que para haver sombra deve haver um foco de luz, me desloquei pela penumbra daquela casa fria até o sofá e me deitei.

Agora eu sabia que era noite, eu sentia o cheiro do meu suor, eu via as cores das paredes iluminadas pela tevê que acabei de ligar e o barulho das explosões de algum filme de ação. Mudei de canal e passava alguma notícia sobre a faixa de Gaza, algumas devastações ambientais e política internacional. Foi nesse momento que eu comecei a sorrir. Estava ansioso para que o sono me visitasse de novo e me trouxesse todas aquelas sombras. Talvez um dia eu consiga chegar até o foco de luz.

I.B.

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