quinta-feira, 18 de março de 2010

Chuva de pedra


Era de praxe... Toda vez que ele atravessava o portão de sua casa, mal se viam os seus olhos, sempre voltados para o chão esburacado da rua. Os cabelos, espessos, cobriam-lhe o rosto e o afastavam da mesquinhice ocular que ocupava a vizinhança. Mas, mais do que evitar os olhares alheios, eram uma forma de evitar o seu próprio olhar para qualquer coisa que não fosse o chão sinuoso e suas pedras. Ele gostava de chutá-las.

Fazia diversos joguinhos com as pedras, oras imaginava que estava em um gigantesco campo de futebol, onde a pedra seria uma bola, oras simplesmente as chutava para distrair sua caminhada tediosa e às vezes extenuante. Haviam pedras de diferentes formatos e tamanhos. As pequenas eram as mais complicadas de se brincar, pois, qualquer depressão por mínima que fosse, as desvirtuava de seu percurso. Ás vezes, era difícil controlar a força do chute, forçando-o a correr em direção à pedra, o que descaracterizava o passatempo, que primava pela economia do esforço físico e (principalmente) evitava que seus olhos tivessem um ângulo de abrangência que o forçassem a ver qualquer coisa que não o chão.

A parte mais divertida desse hobbie peculiar, era quando ele chutava pedras maiores em direção à fissuras em alguma parte de seu trajeto. Elas eram bastante pesadas e se locomoviam muito pouco, o que o forçava a caminhar mais devagar e mais concentrado na sua atividade. Quando conseguia enfiar uma dessas em um buraco, ficava contemplando o fato, plantado no chão com uma imobilidade cadavérica, como se fosse a surpresa que precede a euforia miraculosa de um jogador de golfe que acerta um buraco há cinco quilômetros com uma tacada só.

O olhar sempre fixo na piçarra.

Em dias de chuva, ele se desvencilhava de seu hábito. Pegava um enorme guarda-chuva que cobría-lhe mais que completamente, diria que caberiam tranquilamente dez pessoas sob ele, sentava-se em um banco de praça qualquer da vizinhança e mirava o impacto dos pingos de chuva nas ruas empoçadas. O cheiro de terra molhada e o som percussivo da água, o tranquilizavam quase que hipnoticamente, como um mantra cantado por uma voz bem grave e intimidadora, uma sensação paradoxal quando se trata do timbre suave que a chuva provoca ao cair no chão arenoso e lamaçento. Mas, era assim que ele ouvia, e era assim que aquilo acalmava a sua ansiedade constante, de pulmões úmidos e domados pela graça de simples partículas que caem do céu.

A visão atenta às poças transbordantes.

Num desses dias sem chuva, a maioria deles não chovia, ele chutou uma pedra esquisita e até engraçada, acredito que um fragmento de meteorito, um aerólito, em direção a um buraco bem fundo, e eis que havia um obstáculo diante do seu exercício lúdico. Um par de pés bloqueou sua passagem!

O suor pingava-lhe da testa, sua boca apresentava espasmos involuntários, suas pernas estavam trêmulas. Sentía como se um peso enorme esmagasse seus pulmões, impedindo-o de respirar. Foi tomado de um pavor que não sentira até então, em seus passeios líticos, notadamente terrenos. Como que sem saber o que fazer, em um ato de desespero, o rapaz, então, olhou para cima.

I.B.

2 comentários:

Pseudokane3 disse...

Nestas horas, olhar para cima talvez seja pior... Foi-se o tempo em que o "alto" era indício de redenção...

Agora vi tuas iniciais como assinatura (risos)

E os textos de ambos são cumulativos... Como se os males se aproximassem aos poucos e só os sentíssemos quando já fossem cânceres avançados... Muito recorrente!

WPC>

PS: quem é o outro pensador? O Reuel?

Two Wrecked Minds Full of Thoughts disse...

Pedro Mahin, cursa direito lá na UNB.