sábado, 5 de dezembro de 2009

Cambistas Ideológicos


Falar sobre jornalismo cultural hoje é como receber um cruzado de esquerda no queixo: nos deixa irremediavelmente atordoados. Primeiro por que há algumas décadas atrás essa categoria jornalística tinha um outro perfil, uma outra demanda por parte do leitor, que consequentemente está ligada às antigas relações econômicas em processo de maturação (modificaram-se intensamente no final da segunda guerra) e também às novas relações temporais e espaciais. Segundo por que esse termo, a meu ver, bastante irônico, se tornou uma espécie de zombaria, se formos considerar a maioria dos veículos que se propõe a publicar esse tipo de material.


Certo dia me deparei com o caderno “cultural” do jornal A Tarde, que é o maior jornal impresso do Norte-Nordeste, e fiquei pasmo com a qualidade do material. Refiro-me tanto a qualidade de seleção do objeto, quanto à qualidade de exposição de determinado objeto. Até lembro-me o tema principal desse caderno: casamento.


Começava com uma crônica nada interessante sobre a falta de compromisso do jornalista com a realidade brasileira. O texto tratava da apatia generalizada que circunda a sociedade, mas era de uma forma tão destituída de uma reflexão mais profunda acerca de um tema tão presente e complexo, que por vezes eu me considerava um chimpanzé em processo de alfabetização (com todo o respeito aos meus primos símios). Talvez fosse a intenção do “cronista” em destacar esse aspecto débil, dirigindo-o aos seus leitores. Sim, de duas uma, ou puro sarcasmo por parte do jornalista, ou uma brincadeira de mau gosto do atual cenário mercantilista a que estão submetidos os editoriais. Descarto a possibilidade de burrice congênita, já que o mesmo é considerado um grande jornalista. Bom, foi o que eu ouvi falar.


O restante do caderno tratava de temas puramente aristocráticos (adoro esse termo arcaico) e eventos direcionados ao mesmo público, as “douradas” páginas socialites. Abordava temas como viagens, moda e esse tipo de coisa ao qual chamamos de entretenimento. O grande problema é que eu não fiquei entretido em momento algum da minha interessada leitura. Bom, há quem fique, pois o jornal tem uma vendagem considerável. A problemática aqui é simples, eu não faço parte do público alvo (Bang! Bang!) dessa seção do material.


A seção de filmes, livros e agenda cultural, até cumpria com a sua função de semear elementos de aspecto cultural. Mas, se atém demais aos famosos Best-sellers e toda essa cultura mainstream, pop, ou qualquer outra alcunha a qual preferir. Espere um pouco, esse tipo de cultura não estaria mais atrelada à propaganda, publicidade e entretenimento do que a qualidade da obra (produto?) em si? Não me entendam a mal, não descarto qualquer produção do mainstream, só questiono a sua disseminação e a credibilidade de seu conteúdo sempre associado a uma imagem que pode mistificar o objeto real em questão.


Os críticos, resenhistas, ou como queiram chamá-los, se reduzem a meros outdoors, sem voz, pura imagem, convites alheios aos seus convidados, aos eventos a que estariam a anunciar. São as bilheterias de um grande evento, o cambista ideológico para a compra dos ingressos de um determinado espetáculo, só querem vender um produto de prateleira.


Outrora, o jornalismo cultural se preocupava em publicar um material de qualidade, como pudemos verificar na revista Senhor e diversos jornais como o Estado de Minas, na época (meados de 60), muito menos afetados pela demanda de grupos econômicos no tocante à publicidade e propaganda.


Hoje, não podemos negar que o cenário da informação adquiriu uma nova face. A tecnologia incrementou-se vastamente aos meios de comunicação, causou uma tremenda revolução nas relações tempo e espaço. Inevitavelmente as redações, os redatores, se especializaram em uma abordagem mais sucinta dos fatos, para atender ao imediatismo de um mundo que acontece simultaneamente em qualquer parte dele mesmo. Visualizem aqui uma sobreposição de fatos e fatos, uns sobre os outros. Um amálgama de informação. Uma outra perspectiva de espaço e tempo nos foi oferecida em uma bandeja no restaurante mais longínquo da Tailândia ou da galáxia mais próxima.


Verificamos agora, que o jornalismo cultural tem diante de si um leque muito maior de informação nos âmbitos da literatura, do cinema, da rede, do teatro, e pouco tempo para digerir toda essa informação. Muita diversidade cultural e ouso dizer, assim como o ensaísta Otavio Frias Filho, da Bravo!, uma deficiência no quesito riqueza (não me recordo o título do ensaio em questão). Mas, não me refiro à ausência de riqueza artística proveniente dos artistas como ele sugere, me refiro à abordagem com que a mídia trata dessas manifestações culturais e nos dá uma falsa impressão de que sabemos o que está acontecendo, quando na verdade o que vemos é só um percentual de quinquilharias selecionadas com algum interesse por trás. O mainstream influencia muito na produção artística vigente, é verdade, mas, a margem está ali em algum lugar. Eu não posso afirmar nada Otávio, mas pra mim a sua colocação foi tão “o rock já morreu”. Me desculpo se porventura eu entendi errado o que quis dizer em relação à pobreza artística (não costumo ser coeso e/ou coerente depois de tomar algumas), mas as coisas não são bem assim, como podemos ver. O problema todo é esse culto à imagem, ao que nos é de fácil acesso. “O essencial é invisível aos olhos”, basta procurar. Essa mania descarada do velho relegar o novo é puro conservadorismo e saudosismo há um tempo que não mais existe e mistificou-se no inconsciente do indivíduo. Devemos sim, nos espelhar nos pontos positivos dos nossos antepassados, isso é inegável. Mas, a partir do que temos em mãos, contextualizar nossas próprias experiências de forma inteligente e destemida.

Na Europa e até mesmo alguns países latino americanos o quadro cultural está superior ao brasileiro, em relação à qualidade do que se consome em termos culturais. Valorizam mais as obras nacionais ao invés da mania brasileira de valorizar a produção estrangeira. Tudo bem, estrangeiros são indivíduos sedutores, eu também acho. Mas, seria devido a marcas no inconsciente coletivo de um passado histórico marcado por submissão a que fomos/somos sujeitos há séculos, nos alimentando com essa tara erótica? Tenho um torto amigo psicanalista que explicaria melhor essas relações sado-masoquistas. Poupem-me de uma análise histórica e psicológica dessas relações sórdidas do cidadão brasileiro. O que questiono aqui é a problemática da indústria cultural no momento presente. A questão é: a culpa seria dos meios que nos injetam com essa cultura pré-selecionada, ou eles estariam realmente a mercê dos nossos interesses? Ou seriam ambos? Distinguir arte de mercadoria está cada vez mais difícil meus caros.


Gostaria de acabar com esse texto que a meu ver, infere um pouco do que falei nessas poucas e ás vezes um tanto desconexas laudas:


“Finalmente saiu daquele ateliê abafado e claustrofóbico. Exposição de arte. Arte proveniente de sua cabeça, de suas mãos, dedos, dedicação e o caralho a quatro. Havia uma moldura em branco na parede. Ninguém entendeu nada. Estavam concentrados e a expressão deles era de pura sabedoria, os entendidos. Uma criança não hesitou em dizer. As mãos de sua mãe não foram mais rápidas que sua boca e inocência(?). Inocência ou sinceridade? "O senhor se esqueceu de pintar esse quadro aqui." O artista baixou suas calças e cagou em suas próprias mãos. Jogou a merda toda naquela moldura em branco. Fedia."

Texto escrito por Igor Bacelar










2 comentários:

Reuel Astronauta disse...

A varias questões interessantes ai: Imaginario social e consumo, o que seria uma busca por outras questões atreladas: Imperialismo e Imaginario Socia. Outro a mídia é contrada pela empatia do público ou seria uma questão de massificaçao?Entre outras questõe... Acho que tudo está ligado aí, agora não podemos negar que no nosso país o povo poderia ter a capacidade de fazer uma leitura crítica daquilo que ler, isso só a escola e a familia nos trás. Muito boom

ra.quel passos disse...

Isso me lembrou o artigo que fiz no início do curso, analisando o caderno de Cultura (que é "Cultura & Variedades) do Jornal Cinform mesmo.

Os veículos, hoje em dia, se adequam ao perfil do leitor, que por ora, certa vez deve ter precisado se adaptar ao nível de abordagem tratada pelo jornal. Até porque se o consumidor de informação começa a não se sentir prestigiado, ele cansa, deixa de ser público, vira massa e começa a fazer parte da multidão. ... Mas, é isso: será que o cara pertencente à massa que compra jornal (e quando compra!!) quer mesmo consumir cultura ou ele prefere saber do resumo da novela, da sinopse dos filmes mainstorms, acompanhar o cenário musical que é vomitado diariamente, ver fotos de "baladas" e ainda achar que o suficiente para sua leitura ser completa é acompanhar o ciclo das fotolegendas?
Raro é o leitor que se sente disposto a quebrar os paradigmas e correr atrás do que a mídia popular deixa de fazer.
A antropologia também explica isso.
Foi nesse sentido, na época em que eu produzia esse artigo científico, que me deparei com essa citação:
“Qualquer que seja a forma pela qual um grupo de pessoas tenha chegado a seus hábitos de massa [...], esses hábitos uma vez estabeleidos, tendem a projetar-se no comportamento futuro. A forma habitual estabelece os padrões para a ação futura.”
(desculpe, mas eu era tão verde que não anotava as fontes de pesquisa; hehehe)

Mas é por aí.
O importante é que o cenário atual do jornalismo cultural nos incomode mesmo. É para nos deixar aflitos.. só dessa forma que poderemos buscar o diagnóstico para ao menos tentar reverter essa situação. Mesmo em passos de formiguinha (como tive a oportunidade de fazer), mas que seja feito!

*Ah sim! Esse arigo, publiquei no Intercom de 2008. Se quiser, dê uma procurada por lá. Tem material relacionado a essa vertente e seus subtemas, como o caso da antropologia e a psciologia também, como vc aborda no seu texto.

*Vina ia se amarrar em discutir esse assunto, heim?

*Conhece Daniel Piza? Ele foi um dos raros referenciais teóricos que encontrei abordando essa temática com ênfase... até material bibliográfico é difícil de encontrar para sustentar uma tese simples... imagine o quanto e como precisamos agir nesse sentido!!?