domingo, 13 de dezembro de 2009

O Véu

Encontrei um velho, certo dia, sentado na sarjeta com uma cuia na mão. Algumas moedas solitárias e de pouco valor tiniam e brilhavam naquele pedaço de lata, velho e amassado. Seus braços, tão finos, lembravam-me os frágeis gravetos caídos e esquecidos no chão poeirento de um fim de tarde de outono. Somente notamos a sua existência quando, pisando-os, os ouvimos estalar e quebrar sob os nossos pés. Tão frágeis...

Sentei-me a sua frente, observando-o. Sua cabeça pendia. Uma barba branca e imunda escorria-lhe por sobre o peito. Um odor nojento exalava do seu corpo. Lentamente, como se sentindo uma presença de outro mundo, levantou a cabeça. Admito, involuntariamente recuei alguns centímetros - ou imagino ter recuado. Seus olhos opacos, encobertos pelo véu da catarata, que insistia em turvar-lhe a vista, buscavam desesperadamente por uma luz, freneticamente saltando de um ponto escuro para outro.

Estendeu suas mãos trêmulas. Com algum esforço, aquele fino graveto sustentava a cuia de metal, suportando o peso inimaginável de algumas moedas baratas.

"Por que não se deixa morrer, Velho? Sua vida é tão desgraçada e miserável. Não vale à pena lutar por ela. Baixa essa mão. Joga fora essa cuia velha e as moedas que ali descansam, arremessa-as na sarjeta em que você repousa a sua cabeça todas as noites. Vai, deita, fecha esses olhos que de mais a mais não enxergam nada há anos. Morre de uma vez! Melhor que deixar sua vida escapar a conta-gotas."

"Estou tão cansado... Sinto que vivi centenas de anos, embora mal e mal tenha chegado aos quarenta e cinco... Tenho sono, um sono tão profundo que pesa sobre os meus ombros, me empurrando e comprimindo contra o chão. Penso em desistir. Mas, sempre que abro os olhos, vejo uma manhã tão linda! Iluminada e florida, cantorias por todos os lados. A dor some, o frio, a solidão... Permaneço eu apenas, e uma paz reconfortante como minha companhia."


"Talvez essa claridade toda seja o branco do véu que cobre os seus olhos. Tu és cego, Velho! Nenhuma luz emana dos seus olhos; nenhuma luz pode aí entrar..."

"Talvez... Sei que vejo, simplesmente."

Fui imediatamente tomado por um acesso de fúria. Chutei a cuia da mão do Velho e somei mais uma ruga naquele pedaço de metal frio e velho - tão velho quanto o Velho.

"Espero que você enxergue o suficiente para conseguir colher todas essas moedas desse chão imundo onde vive!"

Fui embora...

P.M.

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