quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Discursos de Borracha (após assistir a Story of Stuff)


Lembro muito bem que assisti a esse documentário enquanto cursava Engenharia Florestal, logo quando foi lançado no YouTube e disseminado em todo o mundo , período em que estive envolvido com o movimento estudantil e discutindo incessantemente assuntos políticos diretamente ligados às questões agrárias.

Annie Leonard inicia o documentário “The Story of Stuff” (A História das Coisas) questionando os efeitos do consumismo nas pessoas e a origem e o destino dos objetos de consumo dentro do sistema linear capitalista. De forma didática nos apresenta uma cadeia de processos que culmina no acúmulo de resíduos, um dos grandes problemas do mundo contemporâneo. Questão que permeia todo o discurso do material, direta ou indiretamente.

Quando uma lebre nasce, ela se alimenta de vegetais e seus dejetos servem de substrato para o solo. A raposa se alimenta da lebre e produz dejetos e concebe filhotes, que por sua vez irão comer mais lebres e produzir mais resíduos e até mesmo os restos de seus corpos em putrefação servirão como substrato para o meio, o ciclo natural das coisas. A natureza age sob essa lógica, sempre regida por esse fluxo de equilíbrio. Mesmo quando chove mais em uma determinada região, desequilibrando um ecossistema e algumas vezes provocando desastres naturais através de uma super reprodução de determinado inseto ou até mesmo um incêndio florestal de grandes proporções, o equilíbrio pode ser retomado, pois, aquilo que estava ali, simplesmente se transformou, mas continuou a fazer parte daquele sistema. Enxergo isso como um leve resfriado.

Porém, a civilização surgiu e incapacitou esse processo, agindo como um poderoso vírus que se apropria de um hospedeiro até esse não oferecer mais nada e depois migra em busca de outro hospedeiro. Simplesmente interferimos dentro desse sistema, que é de suma importância para a manutenção saudável da vida. Isso não vem de agora, mas, um processo que se fecundou desde a fundação da civilização e que entrou em situação crítica depois da Revolução Industrial. O que fazemos agora é extrair recursos e bloquear o fluxo de retorno dos mesmos à cadeia dos processos naturais. Pois, os transformamos radicalmente, tornando-os danosos ao meio ambiente e a nós mesmos. Ou será que aparelhos celulares são re-assimilados pela natureza?

Digo-lhes de antemão que não me considero adepto do socialismo, comunismo, capitalismo... Tenho ranço dos ismos e estou farto deles! Muitas coisas vieram à minha mente enquanto assistia ao documentário, algumas coisas estão um pouco afastadas da superfície, mas são claras dentro da abordagem dos fatos que nos foram apresentados. Uma delas é o aspecto Marxista que é exposto não só pelo repúdio à influência das indústrias dentro da sociedade de consumo, o que me lembrou também as publicações do famoso e muito vendido autor Zygmunt Bauman em sua “visão líquida” da sociedade, mas também no momento em que Annie Leonard nos explica de forma atual as relações burguesia-proletariado, especificamente as que conhecemos como a Mais-Valia.

Tive a oportunidade de conversar com dois camaradas meus acerca do material enquanto estava em um coletivo rumo à universidade. Um deles afirmou que o documentário foi utilizado por algumas escolas americanas. O seu uso foi questionado por uma porção de pais insatisfeitos que alegavam de que o mesmo continha apenas um lado da história. Desafio os dirigentes industriários a produzir também o outro lado da história e oferecê-lo como auxiliar didático nessas escolas, assim não teríamos esse velho e recorrente problema de fascismo ideológico, não é mesmo camaradas de terno e gravata? Um verdadeiro processo democrático (sic). Caberia ao bom senso de cada um. A meu ver, isso apenas produziria diagnósticos psiquiátricos devido ao conteúdo explícito das conseqüências que tais hábitos consumistas acarretarão! "Esse é louco, esse tem bom senso, esse é louco, esse..."

Um fator muito importante é a influência que os meios de comunicação social detêm para si. São os grandes responsáveis por esse insaciável desejo de consumir-descartar-consumir, como se as nossas vidas dependessem disso. São culpados também por omitir, por exemplo, o que está por trás de uma propaganda da Aracruz Celulose, exibida pela rede globo, onde eles afirmam estar contribuindo com o reflorestamento, quando na verdade esse tal reflorestamento é uma falácia, pois se trata de cultivos exóticos que serão utilizados como matéria-prima para o papel e celulose, entre outros, ou os poluentes que liberam para cursos de água e para a atmosfera, ou a isenção de impostos que essas empresas multinacionais são agraciadas para realizarem trabalhos de "cunho social". Enquanto os mesmos forçam comunidades quilombolas, ribeirinhas, a migrarem das regiões do entorno das fábricas de processamento e extração de matéria-prima, por escassez de recursos e insuficiência de trabalho.

Sobre o desejo fomentado pela indústria do capital, podemos obter algo dessa auto-citação acerca do espírito humano (sim, sou um charlatão): (...) “Vivemos sob a ditadura do ego, do estômago, da matilha esfomeada, sem um macho alfa definido para nos guiar. Apenas o desejo e suas limitações, vícios, virtudes, mordomias, problemas na colheita, raposas no galinheiro... O prazer é insustentável como um gozo no ato sexual e a frustração é a sombra que estará ali sempre que houver um foco de luz por menor que ele seja. Podemos dividir a tenebrosa condição do ser em uma tríade: desejo, objeto e concessão. Essas seriam as faculdades da existência em sua mais pura representatividade.” Os meios midiáticos fazem o que, senão explorar essa característica tão humana e tão cabível dentro desse sistema?

O plástico que constitui os nossos “sagrados” controles-remotos, a meu ver, encontrou um meio de se instalar em nossos nervos tão profundamente, que ás vezes quando caminho pela rua confundo as pessoas com manequins ou bonequinhos revestidos com esse derivado do petróleo. Certa vez, até me imaginei como um pneu rolando rua abaixo desgovernadamente em direção a um muro qualquer. A publicidade tem esse efeito deletério dentro de cada indivíduo que compõe a máquina social e é uma das grandes responsáveis pela conservação desse modelo de consumo no qual estamos todos inseridos. Faz-nos crer em absurdos, tais como culpar-nos exclusivamente por contribuirmos com a escassez dos recursos naturais, nos dizendo para reduzirmos o uso de energia, de água, quando em contrapartida, nos induz ao contrário, através de seus produtos fantásticos e indispensáveis para uma vida saudável. Somos hipocondríacos de nascença. São as corporações e o Estado que se utilizam descabidamente de todos esses recursos naturais. Consomem a maior parte da energia e potencializam isso com sua política lucrativa, incentivam os indivíduos a proliferar, sustentar e amar esse paradigma da contemporaneidade, alimentando o nosso imaginário, compondo a nossa realidade, sem pincel ou tinta, mas com o nosso próprio sangue e nossas próprias mãos.

A comunicação social também é responsável por espalhar o tal “Kitsch totalitário” do qual Kundera nos contou em sua obra, “A Insustentável Leveza do Ser”. A ideia de defender as causas ambientais é esteticamente bela e também é vendida como mercadoria pela mídia. Nossa própria individualidade está em xeque nessa jogatina inescrupulosa.

O gênero humano se vê deslocado da natureza e suprimiu isso de sua constituição. Quando tiramos um leão da selva, conseguimos tirar-lhe da natureza, mas não conseguimos expurgar essa natureza dele. O homem ou a indústria (sirva-se como quiser), em seu patamar de Deus se esqueceu de que um dia viveu em harmonia com o mundo natural. Estamos agora mergulhados em um fluido oceano corporocrático que berra “Desenvolvimento Sustentável”, omitindo o cântico subliminar praticamente inaudível “Sustentabilidade do Desenvolvimento”. O documentário, bastante didático, destrincha a obscuridade do modelo de consumo e nos dá um diagnóstico igualmente sombrio, “vamos criar algo novo”.

Link do vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k

Igor Bacelar Araújo 13/05/2010

Um comentário:

O vento que balança a árvore disse...

"A publicidade tem esse efeito deletério dentro de cada indivíduo que compõe a máquina social e é uma das grandes responsáveis pela conservação desse modelo de consumo no qual estamos todos inseridos. Faz-nos crer em absurdos, tais como culpar-nos exclusivamente por contribuirmos com a escassez dos recursos naturais, nos dizendo para reduzirmos o uso de energia, de água, quando em contrapartida, nos induz ao contrário, através de seus produtos fantásticos e indispensáveis para uma vida saudável."

Isso está bem tipificado no discurso da mídia e seus patrocinadores, em programas de tv e propragandas ambientalmente "bem intensionadas"... que diz que , apenas, SE CADA UM FIZER A SUA PARTE, O MUNDO SERÁ SALVO DO APOCALIPSE AMBIENTAL. PORRA!!! SERAÁ QUE EU POLUO MAIS QUE UMA GLOBO, POR EXEMPLO... SE FUDER!!!!!