quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Departamento da Verdade (breve análise sobre a ética jornalística)


Liberdade. Um conceito um tanto complexo que permeará as questões abordadas no presente trabalho. Foram necessárias onze definições no Novo Dicionário Aurélio e sete subdivisões para exemplificar verbalmente o que o próprio Eugênio Bucci define como o direito de todo o cidadão. Nesse caso em específico, tratarei a liberdade exclusivamente no tocante à linguagem jornalística e evidentemente a primeira coisa que nos vem à mente é a noção de liberdade de imprensa, o que nos leva inequivocamente à outra noção tão morbidamente assombrosa dentro da realidade brasileira: ditadura. Assaz curioso, não é mesmo?

“Para o jornalista, exercer a liberdade é um dever porque, para o cidadão, ela é um direito. Para que este possa contar com o respeito cotidiano ao seu direito à informação, o jornalista não pode abrir mão do dever da liberdade” (Bucci, 2008, p.54). Historicamente a imprensa vem travando batalhas ferozes contra a propaganda e as censuras, que sempre estiveram atreladas às formas mais primitivas da prática jornalística e hoje agem de uma forma mais velada ou “aveludada” (como queira). Não é um fato exclusivo do Brasil, pelo contrário, nasceu muito antes de a imprensa ter chegado a nosso país. Mas, aqui, encontrou sustento para práticas arbitrárias que remetem desde antes da proclamação da república (JORGE, 2008).

Segundo Bucci, uma democracia bem exercida é aquela onde as informações de interesse público possuem livre fluxo. “(...) O governo, quando se associa à imprensa, tende a seqüestrar-lhe a alma” (Bucci, 2008, p.49). A imprensa deve fiscalizar o poder a fim de promover a transparência das ações dos órgãos gestores do Estado e por isso o jornalista deve estar alheio à participação direta dentro da máquina governamental e a par das ações que a mesma executa, nunca perdendo a sua função social de disseminar informação livre de qualquer partidarismo. O que na prática do jornalismo brasileiro, viu-se tremendamente deturpado pelo jornalista Lourival Fontes, sergipano e diretor do DIP (departamento de imprensa e propaganda) na era Vargas, responsável por uma série de atos arbitrários (LEITE, 2005). Um exemplo mais antigo de envolvimento da classe jornalística em cargos políticos de suma relevância foi a do colaborador alagoano de dois matutinos cariocas, a Gazeta de Notícias e o Correio da Manhã, Costa Rego, em 1907. Envolveu-se num movimento revolucionário que rendeu-lhe o cargo de secretário da Agricultura em Alagoas (JORGE, 2008).

O jornalista é responsável pela divulgação da verdade e suas implicações. Deve ser imparcial, objetivo e ter compromisso do princípio ao fim com o ideal da liberdade, a maior das virtudes e responsabilidades do jornalismo. Não enxergar a realidade como fatos isolados, mas processos correntes que possuem antecedentes e procedentes. John Donne, pensador inglês, certa vez nos disse que "nenhum homem é uma ilha isolada". Poderíamos estender essas sábias palavras para o universo jornalístico. Só assim, a imprensa será eficiente e fiel aos valores essenciais da democracia.

No Brasil, são inúmeros os casos de impraticabilidade da liberdade de imprensa. A exemplo das diretrizes de censura do Estado Novo em 1944, citadas por Jorge (2008) apud Nasser (1974):

“O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) veta:

5 – Nada sobre questões com o Instituto dos Marítimos, mesmo como matéria paga, antes do despacho do judiciário.

7 – a) Nada sobre o caso Cauby Araújo, a não ser o que já havia sido passado e julgado; b) Nenhuma fotografia da Rússia.

8 – A Companhia de Navegação Aérea ‘Condor’ deve ser chamada ‘Cruzeiro do Sul’.

9 – Nada sobre o trânsito de oficiais norte- americanos pelo Brasil.

16 – Nenhum ato oficial do Governo deve ser antecipado, seja ele qual for.”


Entre outros.


A censura praticada no período de autoritarismo na política brasileira parece ter deixado resquícios indeléveis no exercício jornalístico da sociedade brasileira. Como vimos em “Beyond Citizen Kane” de Simon Hartog (1993), onde o documentário nos mostra de que forma a rede Globo manipulou uma série de informações e atuou como um monopólio da informação por várias décadas e até hoje tem maciça influência na opinião pública do país.


Hoje, pode-se observar uma série de informações de grande interesse público que são manipuladas, exagerando-se alguns fatos e omitindo-se outros em detrimento de determinados grupos e interesses do veículo mediático. Um exemplo bastante recente foi a exposição na Grande mídia da questão em torno das alterações do código florestal brasileiro e toda a discussão entre a bancada ruralista e os ambientalistas. O discurso foi sutilmente construído para que o termo ambientalista soasse de forma pejorativa, além de vários outros fatos que foram omitidos em benefício à bancada ruralista e sua falsa ideologia em prol do desenvolvimento social, quando na verdade pretendem flexibilizar as leis de preservação ambiental em um anacronismo gritante com as atuais condições das relações globais como um todo. O tal proselitismo de que Bucci tanto denuncia é visivelmente ousado e usado. Um prejuízo incalculável à liberdade e ao compromisso com a verdade, tanto prezadas pela prática jornalística. E o pior, apresentadas inescrupulosamente como espelhos da realidade.


Igor Bacelar 20/07/2010 *Desculpem-me os erros de edição


Nenhum comentário: