quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O cemitério dos vagalumes


Poderia começar essa história descrevendo a campina esverdeada onde ele estava sentado, onde ele sempre sentava para ouvir os grilos, os pássaros, o chacoalhar da relva soprada pelo vento e todos os sons que compõem uma área afastada dos conglomerados urbanos. Deixarei essa tarefa para você.

Era de costume sentar por ali e apenas ouvir os diversos sons que eram emitidos das gargantas, traquéias e tórax, do vento, dos insetos, dos pássaros, do bater de seu coração. Costumava descrever isso como "o silêncio tagarela" ou "a voz do silêncio". E naquela campina, era o único lugar onde ele podia ouvir o que eu considero uma das mais importantes fatias do que chamamos de vida: o próprio pensamento. Um exercício inestimável, um oásis guardado dentro de si, um córrego infindável daquilo que nos supre com a "seiva da salubridade".

Mas, hoje ele se sentiu só.

Já era noite. Ele acabou adormecendo por ali mesmo, algo que nunca havia acontecido, pois, ele costumava voltar no final da tarde para sua casa. Quando abriu os olhos demorou um pouco para suas pupilas assimilarem a ausência de luz, e durante esse período via alguns pontos luminescentes indo de lá para cá, acendendo e apagando. Eram vagalumes. Milhares deles! Ocupavam quase toda a campina. Como se o céu estrelado houvesse descido à terra para mostrar que elas, as estrelas, não passavam de vagalumes sempre a piscar. Mais adiante, havia uma espécie de marcha nitidamente se destacando de todos os outros. Uma fila de vagalumes que estranhamente imbuía a eles um caráter humanizado, racional, algo premeditado por um bando de animaizinhos minúsculos. Ele decidiu acompanhar a procissão.

Havia uma única árvore em toda aquela vasta planície, e era grande, imensa. Curiosamente nunca a havia visto por ali. E os vagalumes se postaram em sua copa, em seu tronco corpulento, em seus ramos e galhos, criando um aspecto de enfeites natalinos. A presença dos insetos luminosos destacava nas proximidades da base do tronco uma mensagem escrita à navalha: "Estarei além da planície". Seu estômago correspondeu àquela mensagem da mesma forma que dois amantes sentem-se ao se ver depois de muito tempo. Uma ânsia de apreender aquilo tudo para si em uma fusão de sensações e trocas sinceras das coisas mais bonitas que existem dentro de si. Um verdadeiro processo antropofágico. E ele deglutiu cada letra talhada na casca da árvore. E como um fenômeno puramente orgânico, ele correspondeu à mensagem.

Nunca mais fora visto por aquelas bandas. Como se em uma tarde qualquer, fora ao supermercado e nunca mais voltou.

Desenhos do filme Grave of the fireflies

I.B.

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