quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Diário de um jornalista (!?) sóbrio


Dia 29/05/09.


Cheguei em cima da hora como de costume, e dos quatro que já deveriam estar ali, só avistei um deles. Meus camaradas também não eram do tipo pontual. Ficamos sentados em frente à emissora, aguardando a chegada dos outros enquanto vislumbrávamos aquela avenida ensandecida. Carros, motos, bicicletas, carroças, pedestres, em uma densa batalha que inevitavelmente terminaria em um evento potencialmente jornalístico. Tudo isso por uma migalha de segundo em suas correrias cotidianas. Ah, o tempo! Não estaríamos lá para ver. Nossos camaradas começaram a chegar.


Uma integrante do grupo (eram três homens e duas mulheres) havia marcado uma espécie de entrevista com um tal de Cleomar Brandi ou qualquer coisa do gênero (viria a descobrir depois, que é uma figura muito importante no cenário jornalístico aracajuano). Para o nosso infortúnio, ele não havia chegado e nem chegaria. Bom, de qualquer forma, conseguimos acesso ao interior da emissora. Não me lembro bem o que levou o segurança a nos deixar passar, talvez o fato de mencionar o nome do tal Brandi ou até mesmo a despreocupação em deixar cinco meros estudantes terem acesso livre ao recinto. Deveríamos procurar uma mulher que respondia pelo nome de Gabriela.


Encontramos um sujeito que fora um companheiro de umas e outras quando eu era mais novo. Na época em que ter uma banda de rock e uma garrafa de vinho era o suficiente para ser feliz. Coincidentemente, era primo de uma das garotas do grupo. Além de me tragar para tempos quase imemoráveis, não pelo tempo que se passou desde então, mas, pela quantidade de álcool que sublimou essas lembranças, o sujeito nos indicou o prédio da redação onde estaria a tal Gabriela.


Adentrei o prédio acompanhado pelos outros estudantes, e como não havia ninguém, aparentemente, para nos receber, arrisquei chamar alguém de dentro de uma sala de onde podíamos ver o que se passava interiormente, através de um painel transparente. Fomos recebidos por um cara que à primeira vista estava surpreso com nossa aparição repentina. Logo em seguida, a tal Gabriela veio nos receber. Era uma moça jovem e simpática que usava óculos de bordas escuras, bem joviais, e de sotaque paulistano. Daquele tipo de pessoa que estaria em uma reunião de amigos, regada a um bom vinho e música alternativa.


Naturalmente, explicamos a razão de estarmos ali, queríamos saber como funcionava uma redação de jornal de mídia televisiva, e ela era a chefe de redação. À primeira vista, me decepcionei com a ausência daquele caos estereotipado e muito provavelmente realista, típico de redações de jornais. Mas, como ela bem disse, “hoje é sexta feira”. Eu não sabia que notícias tiravam férias. Muito provavelmente os repórteres, pauteiros e todos os organismos que desempenhavam suas funções para a execução daquele jornal, estavam muito ocupados no momento. O que careceu de intensidade, vida, naquele ambiente que ainda assim, exalava um leve odor de informação. Fresca.


Nosso encontro foi fundamental para nos situar na realidade daquela espécie de jornal, que era ainda mais interessante, por ser de uma emissora subsidiada pelo governo, tendo um direcionamento de enfoque mais cultural e informativo do que a maioria das mídias. Já que não depende de insumos publicitários (no quesito venda de produtos). Claro que com suas limitações de verba e seus inúmeros problemas estruturais, que a meu ver, contornam com bastante competência.


Lembro-me muito bem do aviso não tão caloroso acerca do mercado de trabalho para jornalistas em Sergipe. Foi a Gabriela quem nos alertou de que temos um dos piores pisos salariais do país, sem contar que não há muito espaço nesse mesmo cenário amarrotado em (perdoe-me pela expressão) excremento! Mas, já era de se esperar. É que a verdade dói mais quando é dita.


Visitamos até mesmo o setor de documentários, onde havia uma quarentona de ar jovial e cativante que nos deu uma explanação acerca de como funcionava esse departamento. Apesar de tudo, não estávamos satisfeitos com essa nossa primeira visita. A moça salientou que seria muito mais interessante entrarmos em contato com o tal do Cleomar Brandi.


Dia 01/06/09.


Depois de um suco de goiaba e um pastel de queijo, acompanhado pelo rapaz pontual que bebia apenas um suco de mangaba, vi um carro entrar na emissora, guiado por um senhor grisalho e meio calvo. Estava convicto de que ele seria o nosso próximo entrevistado. Apenas uma das garotas havia aparecido nesse dia. Decidimos entrar o quanto antes.


Estávamos lá aguardando em um sofá da recepção, quando aquele mesmo senhor que vira alguns minutos antes, saía da ilha de redação sentado em uma cadeira de rodas, segurando obstinadamente um celular e portando um maço de cigarros em um de seus bolsos. Ele se dirigiu a nós com um olhar bastante acolhedor, e seu semblante de alguém em seus sessenta e poucos anos, dava lugar ao de um rapaz, que mesmo tendo vivido inúmeras experiências, não deixara o tempo lhe tomar seu entusiasmo. Aquele jovem senhor transpirava um conhecimento que só podia ser obtido através da leitura de uma porção de livros, o que condiz com a forma com que ele nos expôs seu conhecimento acerca do mundo jornalístico. Era tão natural e transparente o seu discurso, que me peguei imaginando que estávamos sentados à mesa de um bar.


Ele é um dos fundadores da emissora no estado, viera da Bahia com esse objetivo e se encantou tanto com essa terra que decidira ficar por aqui, como ele mesmo fez menção. Também é o diretor de jornalismo dessa emissora e produtor de um jornal escrito. Exerce a profissão de jornalista há tanto tempo quanto uma vida e meia minha. Algo tanto engraçado, quanto intimidador de se constatar. Ah, o tempo! Vez ou outra alguém interrompia a nossa descontraída conversa para informá-lo de alguma emergência, ou fato que ocorria, e ele sempre tinha a palavra final. Já pude sentir a partir daí, aquela pressa e ansiedade de um ambiente em que se tratam notícias. Fervendo.


Ele falou algo sobre ser ardiloso na obtenção de entrevistas e de possuir fontes e mais fontes. O sujeito respirava jornalismo, escutem o que digo. Até mesmo uma mesa de bar pode ser um verdadeiro acervo de informação, segundo ele (e fora a impressão primordial de nosso diálogo ali, naquele sofá). E era o que fazíamos ali, sentados em uma espécie de mesa de bar, bebíamos daquela fonte grisalha e calva.


Segundo Brandi, os estagiários que ali ingressavam, são avaliados através de uma simples redação, muitas vezes mal escritas, como ele colocou. Afinal, o instrumento de um jornalista seria o que senão palavras? Disse que os estagiários executam todas as funções possíveis dentro do jornal, e trabalham como verdadeiros jornalistas. Para saber se um soldado está realmente preparado, envie-o para um campo de batalha. “Quem trabalha aqui, está preparado para trabalhar em qualquer lugar”. Isso se verifica tanto em termos de recursos reduzidos, quanto em multidisciplinaridade de cargos. “Pobres estagiários”! Ou seria, ricos estagiários.


A entrevista deu no que tinha de dar. Nosso anfitrião voltara apressadamente para sua labuta diária. Deixara de ser um camarada na mesa do bar, para voltar a ser um atarefado chefe de redações em um piscar de olhos. Não será através dessas poucas “laudas” que exporia todas as impressões que tive acerca desse dia bastante proveitoso, mas uma coisa é certa. Não é só nas ruas que uma migalha de segundo vale muito, os próprios jornais são movidos a esse tique-taque nervoso, purulento, desvairado... Notícias, tempo. “Um dia deveria ter mais de vinte e quatro horas”.


I.B.


3 comentários:

Olhodolago disse...

GATXENHO!

tatiana hora disse...

conheço bem esse lugar aí de que você tá falando, mas eu trabalhava no outro prédio!
Cleomar é uma pessoa de se admirar mesmo!
e não sei hoje, mas em outros tempos quando você chegava na redação corria o risco de ouvir algumas pessoas dando gargalhadas loucas! kkk

Raquel Passos disse...

Me dá um orgulho danado esse meu amigo - muito bom!