segunda-feira, 23 de março de 2015

Exílio


Sinto o meu estômago se comprimir toda vez que me vem ao pensamento e o que me incomoda não tem nada a ver com as coisas passadas, com a bagagem deixada pra trás em maletas velhas e rotas cheias de cheiros e recordações quase táteis. Nem mesmo o futuro auspicioso ou agourento. O único momento absoluto é esse agora, é o corpo vacilante diante de um poço úmido e abafado com cheiro de barro. O momento que precede a viagem. O irromper da revolução na aurora do dia. Um penetrante autoritário berro silencioso como é a justiça selvagem, sem piedade, sem cerimônia. A mandíbula de mil feras encravadas nos pulmões sobre um palco forrado de folhas decompostas. A viagem que não escolhemos trilhar, a verdade que não decidimos acreditar, o dia que nunca esperamos chegar.

Fui expulso do meu lar por oito patas aracnídeas enroscadas em meus cabelos encaracolados e nesta jornada irei acompanhado de memórias espectrais, de fantasmas nas paredes da locomotiva desta Samsara interminável. Há uma caverna lá fora. É o meu destino. Não para me privar da luz, não para me esconder da vida, desta dor, deste sofrimento, das alegrias e prazeres. Um dos passageiros me disse que havia algo lá, algo para mim. Distante de casa, porém, familiar como a pele que me cobria todos os males, todas as inverdades, todas as carências, desamores, vícios. A teta que nutria a minha alma, o casulo maternal que fazia salivar a ansiedade magnânima da crisálida. O deus insano e terreno que me provia de fé e deleite.

Estava lá! A mandala fluorescente em uma noite sem luar. Junto a uma fogueira eu me pus a cantar com os espíritos a uma distância segura da entrada da gruta. Podia sentir sua respiração úmida, refrescante, com cheiro de barro. O cinza de suas rochas é passageiro. Assim como eu o sou nesta locomotiva infalível. E as cores hão de brotar novamente. Seja no exílio ou de volta ao lar. Porque o que importa no final é somente a viagem. As que escolhemos e aquelas que nos são forçadas. Mas, uma coisa é tão imperativa quanto a própria excomunhão do exilado: a esperança de que um dia escute a melodia do chamado de volta à sua pátria.

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