Os homens eram responsáveis pelas atividades de caça enquanto às mulheres cabia a coleta de vegetais e os cuidados e educação das crianças. Com as mudanças provocadas pela prática da agricultura, o homem passou a derrubar bosques e a preparar a terra para as lavouras e as mulheres cuidavam do cultivo. As mulheres cuidavam da casa, dos filhos, da comida e da colheita. Durante os dois períodos, desempenharam funções vitais para a sustentação da sociedade, pois eram quem propiciavam mais alimento para as comunidades humanas naquele tempo e quem ensinava maior parte dos costumes e da cultura às crianças, além de garantir o seu desenvolvimento até a maioridade.
O homem não era o principal produtor e mesmo assim o valor de sua posição era considerado maior. Tanto nos tempos que cumpria quase que exclusivamente com a função de caçador e a carne possuía grande importância, até mesmo por sua raridade em relação aos vegetais abundantemente encontrados em condições normais, quanto no período de sedentarismo e fundação das atividades agropecuárias no qual as mulheres eram responsáveis pela colheita dos plantios. A produção direta e mais importante de alimento era papel das mulheres nas sociedades descritas por Jaime Pinsky e mesmo assim o homem mantinha sua posição dominante. De que forma era possível essa distinção de valores na divisão sexual de trabalho? Por que o homem assumia o papel de dominador e de que forma isso era possível?
Da mesma forma que uma nota de 10 reais possui valor suficiente para comprar um hambúrguer com refrigerante de uma franquia internacional porque foi determinado institucionalmente na sociedade de que aquele objeto colorido com a figura de uma arara possui um valor determinado, as mulheres se mantinham submissas à influência do homem graças a mitos, ritos, crenças, cultos, que protegiam o poder masculino na sociedade, virtualmente ameaçado. O homem se aproveitava (se aproveita) da força física e da repressão ideológica para institucionalizar a lógica patriarcal. Não só existe uma diferenciação biológica dos sexos, mas passa a se desenvolver uma disparidade de caráter histórico. Mas, será que sempre foi assim?
Existiram algumas tribos indígenas do extremo sul do continente americano, que se estabeleceram na região da Patagônia, que praticavam um ritual conhecido como “Hain”, no qual os homens se disfarçavam de espíritos, oras malignos, na maioria das vezes trocistas, que se ocupavam de assustar as mulheres e crianças das comunidades. Servia também para iniciar os adolescentes à idade adulta.
A caça era muito difícil nessa região em decorrência das baixas temperaturas e o animal de maior importância nutritiva era o Guanaco, muito difícil de ser capturado. As mulheres eram essenciais para o funcionamento das tribos, já que eram responsáveis pela coleta de frutos e raízes que eram a principal fonte de alimentação desses povos, além de cuidar dos afazeres domésticos. O poder dos homens estava incontestavelmente ameaçado. Verifica-se aí um exemplo da utilização dos mitos como ferramenta de manutenção do patriarcalismo, comprovado por alguns estudiosos que chegaram a presenciar esses rituais ainda no início do século XX.
Mas, o fator mais intrigante desse caso em particular, e que não é um fato isolado, pois se passou em diversos povos de todos os cantos do globo, é a justificação do ritual para amedrontar as mulheres. Segundo os Selknam, tribo de um dos grupos indígenas que praticavam essa cerimônia, nem sempre as coisas foram assim, houve um tempo em que as mulheres quem praticavam esse ritual, as mulheres que mantinham os homens sob seu domínio e os forçavam a trabalhar arduamente. Depois de um longo período de submissão, os homens indignados acabaram descobrindo o segredo das mulheres e foi quando uma guerra sangrenta se instalou naquela região provocando a morte das mulheres (só foram poupadas as crianças) e a inversão de papéis pelos homens.
Vários teóricos apontaram a existência de matriarcados como a mais remota forma de organização social já conhecida. Existe um achado de uma estatueta que data de uns pouco mais de 20.000 anos que retrata uma mulher obesa ou grávida que, segundo a leitura feita pelos antropólogos, simboliza a fertilidade da figura feminina (Vênus de Willendorf). Nesse tempo, segundo J.J. Banhofen, acredita-se que as mulheres tinham relações sexuais com diversos parceiros, pois não existia a noção cultural de compromisso, e aquelas que tinham inúmeros parceiros eram as únicas a poderem determinar com certeza de quem eram os filhos. Os homens eram meros reprodutores e não possuíam nenhum vínculo afetivo com os recém-nascidos. Para esses, a mãe era o centro de suas vidas, a razão de viver. Por isso se explica o louvor e a exaltação a deusas femininas nesse período (que varia temporalmente para os diversos povos).
Muitos estudiosos creditavam a decadência dessa antiga forma de organização dos povos primitivos ao enfraquecimento das divindades femininas em detrimento dos deuses masculinos. Mas, para Engels, as mudanças na estrutura familiar e a visão masculina do mundo surgiram com a introdução do princípio da propriedade privada. Pois essas áreas delimitadas eram frutos de conquistas territoriais e os machos passaram a exigir fidelidade sexual, pois não queriam legar suas possessões adquiridas em combates e guerras a descendentes que não fossem de seu sangue. Transformando a mulher, consequentemente, em uma extensão dessa propriedade, na qual seria cativa, castrada de suas liberdades, “condenada” à monogamia.
Aparentemente, o capitalismo aprofunda a divisão sexual do trabalho como foi colocado em um congresso da Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo (CLOC) em 2010 e para a alegria de Engels. Segundo Nalu Faria, representante da Marcha Mundial de Mulheres e da Sempreviva Organização Feminista (SOF), “não podemos entender como funciona uma sociedade capitalista, se não compreendemos como se dá essa divisão sexual de trabalho. O capitalismo aprofundou a ideia de divisão entre uma esfera pública e uma esfera privada de trabalho, a pública seria o trabalho, a pesquisa, o estudo, a prestação de serviços, e o trabalho privado não é reconhecido como trabalho, e ainda se considera que essa atividade é característica às mulheres. E mesmo quando as mulheres entram no mundo do trabalho público, entra nessa divisão, tendo empregos menores, menores salários, menos cargos de chefia, entre outros”. O que é perfeitamente plausível, pelo fato de que no passado havia uma maior participação das mulheres em decisões políticas e econômicas durante, por exemplo, a Idade Média, onde tinham direito a estudos, grande parte das profissões e direito à propriedade, ainda que em menor número do que os homens. Joana D’Arc, jovem chefe guerreira francesa, era um dos ícones medievais, e os povos gauleses também admitiam mulheres em altos cargos militares, sem contar as várias mulheres que governaram nesse período (e muitos séculos antes disso tudo) em várias regiões do globo, houve casos e casos em pleno vigente modelo patriarcal. Hoje, o velho panorama da mulher submissa que se instalou mais brutalmente depois do período medieval, vem manifestando mudanças gradativas.
Cada teoria é insuficiente em sua tentativa de explicar esse aspecto do desenvolvimento das sociedades humanas, pois a perspectiva territorial dos povos indígenas do continente americano difere em muitos aspectos do conceito marxista de propriedade privada. Também de que ainda hoje funcionam organizações matriarcais (existem alguns casos, inclusive na China) e não necessariamente quer dizer que se sucederam etapas bem definidas da evolução desse tipo de funcionamento de estruturação social. Nem se há uma precisão do que realmente aconteceu em algum passado remoto, pois o ser humano se perdeu do tempo, é produto de outra concepção da realidade muito distante daquela de milhares de anos atrás.
Segundo Jung, o Animus e a Anima que compõem o inconsciente das mulheres e dos homens em seu confronto interminável com a persona, que vão bem além da composição psíquica de um único indivíduo isolado, representariam esse mesmo conflito de interesses no âmbito das organizações sociais. A ordem não tende ao caos, senão a outra ordem.
A psique humana é rodeada de preconceitos, as coisas não necessariamente sempre foram de uma determinada forma, nem algumas noções surgem tão desavisadamente no cotidiano consciente e até inconsciente dos grupos humanos. As multidões tendem a não refletir sobre certas coisas. As relações de poder são os alicerces da economia, a força motriz dos modos de produção e constituinte do indivíduo em si, pois esse não seria nem mesmo um indivíduo se não estivesse em conflito com o interesse do outro. As relações de poder sempre estiveram em um violento dilema com as forças opostas que se digladiam em suas correntes tênues.
I.B.
3 comentários:
Mesmo tendo sido feito "nas coxa", o texto está ótimo. Se você chama isso de "mal articulado", tô louco p/ ver uma obra caprichada sua. Parabéns!
Muito obrigado, caba!
Muito obrigado, caba!
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