quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A novela


Se bem me lembro, era o desfecho daquela novela. O desenlace de todos os dramas, onde seria decidido quem iria ficar com o mocinho, enfim, o ápice de todos os relacionamentos amorosos sintetizados em uma infeliz representação do que permeia as verdadeiras mutualidades entre os indivíduos. Todo aquele imaginário do que poderia ser e na verdade não é, seduzia libidinosamente aquele viúvo, pai de uma menina de dois anos.

Engraçado como desde pequeno ele vem construindo sua identidade moldado em simples quimeras. Sempre há o bem e o mal e nada entre eles, descarta a aura cinzenta que cerqueia os homens. A televisão também sempre o avisava sobre o momento em que ele devia sorrir, com as pequenas "deixas", as pausas que são sucedidas de gargalhadas programadas (isso se evidencia nos seriados americanos). Até isso foi pré-concebido para exigir o menor dos esforços daquele cérebro indolente.

Houve o intervalo para a propaganda, já não bastasse a sutilidade da lógica de consumo enlaçando cada discurso inserido nas relações entre os personagens e cenários da novela, as mercadorias enlatadas e sorrisos extraordinariamente brancos se espremiam pelo pouco que restava da massa cefálica do homem. O mais marcante era a ansiedade que ele expelia como gases pelo sofá. Sua ansiedade era merda no esgoto, e fedia tanto quanto.A propaganda surgiu bem no momento em que a mocinha iria revelar o seu grande segredo. O homem sentiu medo, angústia, excitação, prazer!

Do lado de fora só se viam as luzes da tevê. O restante estava apagado, mas não por consciência ambiental ou escassez financeira, era simplesmente para criar um clima de cinema. Afinal, era o episódio final daquilo que se tornara febre nacional. Mas, não quero falar sobre as consequências desse entretenimento sublimador em particular. Vou me ater a esse lar em especial, pois de alguma forma o que ocorreu ali me cativou de uma forma hilariante. Somos sádicos, eu sei disso. Por que nos sentimos fortes com o sofrimento dos outros. É a lógica do vale-tudo. Por acaso você nunca sorriu quando um amigo seu escorregou em uma poça e caiu de costas vigorosamente e ficou ali estatelado no chão? Conheço um cara que não, mas o exemplo infeliz é só para dificultar a relação entre o prazer e a dor alheia. Gosto de brincar com exemplos inúteis. A coisa vai bem além disso, essa tendência à auto-afirmação.

A novela reiniciou. Plástico. Olhos atentos, imóveis, concentrados. Só havia ele e a novela. Só havia novela e manequim. Só havia ele e a televisão. Só havia televisão e controle remoto. De repente, um choro de criança, de fome, de carência, de solidão, de amor. De repente, golpes repetidos de um controle remoto em uma cabeça frágil. Silêncio. A novela reiniciou.

I.B.

Um comentário:

Olhodolago disse...

A gente escolhe o que amar, né?
bom texto! :)