sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Ressaca


Velejo em direção do Sol por um atalho lunar e de lá vejo Vênus desenhada em um gigantesco e fluido espelho oceânico, notívago, enquanto o satélite germina em direção ao ponto mais alto da cortina esburacada em uma curva suave naquela estrada para todo e nenhum lugar. Um lapso onírico de meu sorriso brotando do seu útero. A água barrenta não me impede de ver uma corrente que desliza olhos abaixo e acaricia a fonte de nutrição da criança perdida em algum sono solitário. Eu penetro em sua derme e infecto o seu fluxo orgânico cuidadosamente, como uma taça de vinho e seu delicado torpor que dilata os vasos. Sugo a bile que você despejou em um café da manhã invisível. Sugo a seiva que uma árvore anciã guardou para você colher. Deus me dá bom dia em um domingo relapso. As pernas se abrem e engolem o dançarino das sombras. Uma montanha silenciosa repousa sobre a minha cintura, trêmula, aroma sanguíneo. Vício. Virtude. Dor. Rastejo pela praia e me arranho com os grãos de areia. O menor dos poros sacia a sua ânsia de vociferar as suas mágoas. Patos selvagens, lagoas, pranchas ansiosas para brincar de serem tronos de reis ferozes que cortam as ondas como lâminas de uma faca de cozinha em uma laranja teimosa. Lama. Escadas. O olfato sente o úmido toque da floresta que orvalha em meus pulmões. Cheiro de manhã. Bafo tímido e denso. Ponte. Mar. Chuva. E queima, e eu ardo, e eu gozo, e eu sacudo os remos, imerso em um céu ondulante. Meu estômago consome a si próprio em sua fome, encarcerado em uma cavidade esvaziada de um espectro etílico. O arco-íris declama a chuva, seu ventre canta a canção de meus lábios em mais um sono conjugado. E eu fujo como um náufrago aprisionado em uma ilhota desabitada sem um barco para acolhê-lo. Uma barafunda se aloja na marcha dos fantasmas cadavéricos. Iglu. Lagartos correm pelo cimento e concordam com toda e qualquer sugestão. Aranhas se esperneiam em coqueiros abandonados. Mordida. Seu lábio está cravado em minha lápide, meus olhos inscritos em seu broto. Rasgo-lhe a carne para permanecer ao teu lado. Vejo um mundo em pedaços, mas você permanece cândida. Varra os estilhaços desse casebre mofado e forre essas telhas esburacadas com o seu cheiro. Para todo o sempre. Tique-Taque. Um homúnculo, alguns versículos, uma constelação na areia. Seus olhos lunáticos refletem o Sol. As monções, os zéfiros sopram a minha vela idosa e o telefone toca debaixo do travesseiro. A embarcação segue o seu curso. Um peixe afugentado saltou acidentalmente para dentro do barco. Barracuda a espreita. Poema interminável. Romances ecoam em um coração dolorido de uma mente brilhante na esquina mais suja do planeta. Rabiscos de um psicógrafo acerca de uma noção incompreensível, inapreensível, que se disfarça dentro de um buraco em sua mente desgastada. O ricto, e a rede, e o violão, vacilam em uma realidade engendrada nessa que vos balbucio. Verborragia do ego em relação ao seu consangüíneo caricatural. Guarde para ti esse baú de confissões em um quarto empoeirado. Ele urrará o amor nas noites escuras de dias nublados e vão incendiar todo o aposento. Adeus, berro.

I.B. 03/06/2010

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