- Três sujeitos estão envolvidos com pesquisas sobre eventos
paranormais em algum lugar dos Estados Unidos, mais precisamente algum lugar de
Nova Iorque, e após algum tempo são expulsos pelo reitor por causa do conteúdo
de suas atividades acadêmicas que não produziam muitos (na verdade nenhum)
resultado. São na verdade considerados uma farsa. Mas, eles realmente acreditam
que estão chegando a algum lugar com as suas teorias que se utilizam de
parapsicologia e de física para sustentá-las. Eles decidem criar um quartel
general em um antigo prédio dos bombeiros para sediar a sua organização que
servirá para investigar fenômenos sobrenaturais, mas não há demanda alguma até
que muito tempo depois alguém os procura para relatar sobre um fenômeno
paranormal que ocorrera em sua casa, ovos fritando sozinhos, geladeiras
servindo como portais para uma dimensão infernal...
- Terror barato de Hollywood.
- Após aquele primeiro chamado, muitos outros começam a
surgir. A demanda por aquilo que outrora não existia passa a se espalhar como
um germe e aparições de criaturas espectrais são testemunhadas por várias
pessoas. Os três sujeitos agora vão
parar na televisão, anunciando o seu serviço de caça às criaturas dessa outra
dimensão. A dimensão dos mortos. Não havia demanda alguma antes da primeira
pessoa que não fazia parte do grupo dos sujeitos solicitar a ajuda deles.
Lembra de Kafka? Aquela história onde havia um sujeito condenado por um crime
que desconhecia... Ele estava procurando descobrir porque estava sendo acusado de
um crime que não sabia dizer qual teria sido e inclusive as próprias
autoridades e aqueles que trabalhavam a serviço das leis não sabiam ou mesmo
lhes era desnecessário informá-lo sobre o que ele teria feito de tão grave. Com
o passar do tempo, o sujeito passou a aceitar a sua condição de ignorância e
relutantemente se resigna de sua condição. No início você e o sujeito estão
angustiados com a situação, mas no final só resta você. É baseado nesta ótica
do leitor que sente estas impressões ao ler Kafka que Dan Aykroyd e Harold
Ramis compuseram a sua grande piada só que no sentido inverso. Neste caso,
naturalizamos o absurdo, o trazemos para o nosso entendimento ao invés de
contestá-lo furiosamente.
- Sobre o que exatamente está falando? Não compreendo aonde
quer chegar.
- Estou falando sobre os arautos da loucura. Estou falando
sobre três sujeitos que disseminaram os seus devaneios esquizofrênicos para uma
das maiores e mais cosmopolitas cidades do mundo. Você já assistiu
Caça-Fantasmas?
- Claro. Aquele filme de comédia. Era sobre ele que estava
falando! Eu assistia até o desenho.
- O filme de comédia e não de terror barato. Aliás, o filme
conta com a participação de Bill Murray que é um dos grandes comediantes
norte-americanos da década de 80.
- E o que Kafka tem a ver com esse filme? Aliás, por que
estamos conversando justamente sobre esse filme?
- Porque talvez você tenha perdido a grande piada. Afinal,
poderiam ter contratado atores de filmes de ação e não o fizeram. O filme foi
escrito por comediantes e atuado por comediantes. E o mais engraçado do filme é
o quão ambíguo ele é e o quão direto ele é e nós adotamos a postura de
"estou vendo um filme de ficção". Mas, isto está errado. A intenção
deles é nos confundir e os dois filmes começam apresentando situações absurdas,
impossíveis. Eles determinam a sua postura inicial que se mantém até o final
dos dois filmes e além.
- E que postura seria essa?
- Você negligencia a possibilidade de tudo aquilo não passar
de alucinações. O filme é na verdade sobre três sujeitos esquizofrênicos ou sob
efeito de alguma substância química extremamente poderosa.
- Talvez você esteja supervalorizando o filme.
- Se você observar o filme desta maneira, ele se torna
extremamente engraçado. E outra coisa que eu tenho para acrescentar sobre esta
discussão é que a qualidade maior da arte não é a intenção do artista, mas a
pluralidade de suas impressões. Eu já te falei que Cheech aparece na sequência
desse filme?
- De Cheech and Chong? Aliás, existe algo que me convença da
sua tese? Porque para mim aquele não passa de um filme mediano feito para
entreter as pessoas e que me fazia companhia nas tardes Globais. Ou passava de
noite? Nem me lembro bem.
- Talvez fosse necessário uma outra sessão para você
compreender o que estou tentando te falar. Não há nem mesmo entrelinhas, a
piada é direta e de fácil acesso a depender das suas referências de perspectiva
ao assistir à obra que para mim foi genial pois é arte disfarçada de puro
entretenimento.
- Vamos supor que eu nunca mais assista a essa pérola dos
anos 80...
- Vamos lá, eu vou dizer-lhe tudo que me vier à cabeça para
tentar convencê-lo do que eu vi. Primeiro, percebemos que os três sujeitos são
expulsos por não produzirem nenhum conteúdo em suas pesquisas na universidade.
Esse clima de resistência por parte das outras pessoas é um tema recorrente nos
dois filmes. Os três caça-fantasmas são considerados farsas e em determinado
momento até loucos. Chegam, inclusive, a ser internados. Quando eles começam a
ser requisitados para investigar e expulsar espectros fantasmagóricos por uma
quantidade crescente de pessoas, um radialista afirma que algumas pessoas dizem
que os sujeitos são na verdade a origem disso tudo. O que é bastante plausível,
pois assim que suas ideias se espalham cada vez mais, mais fantasmas aparecem e
mais pessoas começam a vê-los. Não é coincidência, é parte do fenômeno inverso
Kafkiano que eu mencionei antes, o absurdo vai se alojando gradativamente nas
periferias da realidade e com o passar do tempo em seu próprio bojo.
Autoridades, por exemplo, resistem à possibilidade de existirem fantasmas, indo
de encontro às crenças da população. Em determinado momento do primeiro filme,
um agente de questões relativas ao meio ambiente tenta parar as atividades dos
sujeitos e tenta se utilizar da força policial para desligar algumas máquinas
que armazenavam energia no Q.G. dos cientistas. O policial se recusou a fazer
isso, pois convencido pelos Caça-Fantasmas, acreditava que aquilo pudesse
provocar uma grande explosão. Tem o caso do julgamento no tribunal conduzido
por um enfurecido juiz (que representa a lei ou a falta dela) e os sujeitos tem
como advogado de defesa uma das personagens mais desequilibradas deste circo de
horrores para provar que os Caça-Fantasmas não são criminosos e sim os bons
mocinhos. Se a gente fosse pensar também em termos de Cultura Popular e
Indústria Cultural poderíamos relacionar estes conceitos aos assuntos abordados
em questão. Mas, anteriormente eu falei em cientistas, não foi? A verdade. Os
três sujeitos, ainda que um deles não compartilhe dos enormes debates
envolvendo termos extremamente específicos de linguagem técnica da física,
química e etc, são considerados cientistas. Pois, eles são os difusores da
verdade, os arautos da loucura.
- Continue (sic).
- Quando eu era pequeno, eu costumava brincar de ser um
herói. Eu e meus amigos criávamos personagens e histórias e conduzíamos tudo na
base da concordância e da persuasão. Íamos contando a história e fingindo ser
guerreiros com poderes míticos. Uma das personagens, o sujeito negro que
ingressa na equipe dos caçadores de fantasmas ao entrar no grupo é
questionado sobre as suas convicções e crenças. É questionado sobre clarividência
e telepatia e se acredita nestas coisas ao passo que responde "contanto
que me paguem, eu acredito em qualquer coisa". A meu ver ele era um
indivíduo que apenas via nesta histeria coletiva a qual ainda não fazia parte,
uma oportunidade de sobrevivência. Mas, com o passar do tempo ele passa a
vivenciar as mesmas experiências de seus colegas de trabalho e, inclusive, é
responsável por uma das teorias mais chocantes do surgimento dos vários
fenômenos que se espalharam pela cidade de Nova Iorque. Ele relaciona o que
está acontecendo a algum trecho do Juízo Final do Apocalipse bíblico. No
momento em que ele profere aquelas palavras referentes aos mortos voltarem de
seu descanso eterno ao mundo dos vivos, um dos sujeitos do grupo original dos
Caça-Fantasmas faz uma cara de espanto e desvia o assunto ligando o rádio. O
que pode ter parecido um reflexo de apreensivo por parte da personagem, a meu
ver foi um episódio muito maior. O espanto não foi gerado pela possibilidade de
algo que foi mencionado na bíblia estar acontecendo, mas, creio eu, e admito
que este trecho em específico é bastante ambíguo, foi pelo fato de outra
pessoa, fora do grupo dos três sujeitos, ter participado da brincadeira
psíquica que começou com eles. E a minha teoria da brincadeira de criança se
torna mais evidente com o surgimento daquele monstro gigantesco de marshmallow
chamado de "Stay Puft" que faz parte da cultura norte-americana
(apenas no filme) e é idolatrado pelas crianças. Ou seja, o clímax do
inconsciente manifestado fisicamente (prefiro ver como uma alucinação) daquele
processo esquizofrênico coletivo foi uma figura popular e icônica que fazia
parte da vida das crianças. No segundo filme o colosso é a estátua da liberdade
quem começa a andar e luta contra as forças do mal. Engraçado que entoada por
uma canção que tem em seus versos várias vezes repetida a palavra
"higher".
- ...
- Torradeiras dançando, geléias verdes voando por aí,
declarações de amor exageradas como "vamos fazer um filho" sem ao
menos as partes se conhecerem, acusações sobre estarem espalhando um gás
venenoso pela cidade (no primeiro filme) e existir um líquido chamado por eles
de "ectoplasma" correndo livremente por debaixo da cidade... Tem até uma cena em que o vilão pergunta aos Caça-Fantasmas se eles seriam deuses e um deles (o diretor do filme inclusive) responde que não e o demônio dispara um raio neles. Uma das personagens aparentemente enfurecido faz a seguinte colocação: da próxima vez que lhe perguntarem se é um deus, responda que sim! Você
precisa assistir para entender a verdadeira piada que está sendo contada. A
merda toda é cheia de simbolismos minuciosamente colocados.
- Uma vídeo-reportagem descontraída sobre um pequeno jaguar
visitado por dezenas de pessoas diariamente em um zoológico coreano, se não me
falha a memória, que não pode receber tantas visitas por dia senão pode vir a
enlouquecer... vivendo como aqueles indivíduos de freaky-shows que até me
lembram aquele homem-elefante... um monte de criancinhas de olhinhos puxados
agarrando-o como a um ursinho de pelúcia... E ao final da matéria algum funcionário
desse espetáculo é filmado segurando o pequeno bebê jaguar e olhando para ele
de forma até carinhosa... A repórter que narrava descontraidamente essa notícia
que me causou uma sensação desagradável termina com as seguintes palavras
"minhas unhas estão crescendo, até quando você vai me olhar assim tão de
perto". Isso, meu caro, é uma piada.
Igor Bacelar