segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Ghostbusters



- Três sujeitos estão envolvidos com pesquisas sobre eventos paranormais em algum lugar dos Estados Unidos, mais precisamente algum lugar de Nova Iorque, e após algum tempo são expulsos pelo reitor por causa do conteúdo de suas atividades acadêmicas que não produziam muitos (na verdade nenhum) resultado. São na verdade considerados uma farsa. Mas, eles realmente acreditam que estão chegando a algum lugar com as suas teorias que se utilizam de parapsicologia e de física para sustentá-las. Eles decidem criar um quartel general em um antigo prédio dos bombeiros para sediar a sua organização que servirá para investigar fenômenos sobrenaturais, mas não há demanda alguma até que muito tempo depois alguém os procura para relatar sobre um fenômeno paranormal que ocorrera em sua casa, ovos fritando sozinhos, geladeiras servindo como portais para uma dimensão infernal...

- Terror barato de Hollywood.

- Após aquele primeiro chamado, muitos outros começam a surgir. A demanda por aquilo que outrora não existia passa a se espalhar como um germe e aparições de criaturas espectrais são testemunhadas por várias pessoas. Os três sujeitos agora  vão parar na televisão, anunciando o seu serviço de caça às criaturas dessa outra dimensão. A dimensão dos mortos. Não havia demanda alguma antes da primeira pessoa que não fazia parte do grupo dos sujeitos solicitar a ajuda deles. Lembra de Kafka? Aquela história onde havia um sujeito condenado por um crime que desconhecia... Ele estava procurando descobrir porque estava sendo acusado de um crime que não sabia dizer qual teria sido e inclusive as próprias autoridades e aqueles que trabalhavam a serviço das leis não sabiam ou mesmo lhes era desnecessário informá-lo sobre o que ele teria feito de tão grave. Com o passar do tempo, o sujeito passou a aceitar a sua condição de ignorância e relutantemente se resigna de sua condição. No início você e o sujeito estão angustiados com a situação, mas no final só resta você. É baseado nesta ótica do leitor que sente estas impressões ao ler Kafka que Dan Aykroyd e Harold Ramis compuseram a sua grande piada só que no sentido inverso. Neste caso, naturalizamos o absurdo, o trazemos para o nosso entendimento ao invés de contestá-lo furiosamente.

- Sobre o que exatamente está falando? Não compreendo aonde quer chegar.

- Estou falando sobre os arautos da loucura. Estou falando sobre três sujeitos que disseminaram os seus devaneios esquizofrênicos para uma das maiores e mais cosmopolitas cidades do mundo. Você já assistiu Caça-Fantasmas?

- Claro. Aquele filme de comédia. Era sobre ele que estava falando! Eu assistia até o desenho.

- O filme de comédia e não de terror barato. Aliás, o filme conta com a participação de Bill Murray que é um dos grandes comediantes norte-americanos da década de 80.

- E o que Kafka tem a ver com esse filme? Aliás, por que estamos conversando justamente sobre esse filme?

- Porque talvez você tenha perdido a grande piada. Afinal, poderiam ter contratado atores de filmes de ação e não o fizeram. O filme foi escrito por comediantes e atuado por comediantes. E o mais engraçado do filme é o quão ambíguo ele é e o quão direto ele é e nós adotamos a postura de "estou vendo um filme de ficção". Mas, isto está errado. A intenção deles é nos confundir e os dois filmes começam apresentando situações absurdas, impossíveis. Eles determinam a sua postura inicial que se mantém até o final dos dois filmes e além.

- E que postura seria essa?

- Você negligencia a possibilidade de tudo aquilo não passar de alucinações. O filme é na verdade sobre três sujeitos esquizofrênicos ou sob efeito de alguma substância química extremamente poderosa.

- Talvez você esteja supervalorizando o filme.

- Se você observar o filme desta maneira, ele se torna extremamente engraçado. E outra coisa que eu tenho para acrescentar sobre esta discussão é que a qualidade maior da arte não é a intenção do artista, mas a pluralidade de suas impressões. Eu já te falei que Cheech aparece na sequência desse filme?

- De Cheech and Chong? Aliás, existe algo que me convença da sua tese? Porque para mim aquele não passa de um filme mediano feito para entreter as pessoas e que me fazia companhia nas tardes Globais. Ou passava de noite? Nem me lembro bem.

- Talvez fosse necessário uma outra sessão para você compreender o que estou tentando te falar. Não há nem mesmo entrelinhas, a piada é direta e de fácil acesso a depender das suas referências de perspectiva ao assistir à obra que para mim foi genial pois é arte disfarçada de puro entretenimento.

- Vamos supor que eu nunca mais assista a essa pérola dos anos 80...

- Vamos lá, eu vou dizer-lhe tudo que me vier à cabeça para tentar convencê-lo do que eu vi. Primeiro, percebemos que os três sujeitos são expulsos por não produzirem nenhum conteúdo em suas pesquisas na universidade. Esse clima de resistência por parte das outras pessoas é um tema recorrente nos dois filmes. Os três caça-fantasmas são considerados farsas e em determinado momento até loucos. Chegam, inclusive, a ser internados. Quando eles começam a ser requisitados para investigar e expulsar espectros fantasmagóricos por uma quantidade crescente de pessoas, um radialista afirma que algumas pessoas dizem que os sujeitos são na verdade a origem disso tudo. O que é bastante plausível, pois assim que suas ideias se espalham cada vez mais, mais fantasmas aparecem e mais pessoas começam a vê-los. Não é coincidência, é parte do fenômeno inverso Kafkiano que eu mencionei antes, o absurdo vai se alojando gradativamente nas periferias da realidade e com o passar do tempo em seu próprio bojo. Autoridades, por exemplo, resistem à possibilidade de existirem fantasmas, indo de encontro às crenças da população. Em determinado momento do primeiro filme, um agente de questões relativas ao meio ambiente tenta parar as atividades dos sujeitos e tenta se utilizar da força policial para desligar algumas máquinas que armazenavam energia no Q.G. dos cientistas. O policial se recusou a fazer isso, pois convencido pelos Caça-Fantasmas, acreditava que aquilo pudesse provocar uma grande explosão. Tem o caso do julgamento no tribunal conduzido por um enfurecido juiz (que representa a lei ou a falta dela) e os sujeitos tem como advogado de defesa uma das personagens mais desequilibradas deste circo de horrores para provar que os Caça-Fantasmas não são criminosos e sim os bons mocinhos. Se a gente fosse pensar também em termos de Cultura Popular e Indústria Cultural poderíamos relacionar estes conceitos aos assuntos abordados em questão. Mas, anteriormente eu falei em cientistas, não foi? A verdade. Os três sujeitos, ainda que um deles não compartilhe dos enormes debates envolvendo termos extremamente específicos de linguagem técnica da física, química e etc, são considerados cientistas. Pois, eles são os difusores da verdade, os arautos da loucura.

- Continue (sic).

- Quando eu era pequeno, eu costumava brincar de ser um herói. Eu e meus amigos criávamos personagens e histórias e conduzíamos tudo na base da concordância e da persuasão. Íamos contando a história e fingindo ser guerreiros com poderes míticos. Uma das personagens, o sujeito negro que ingressa na equipe dos caçadores de fantasmas ao entrar no grupo é questionado sobre as suas convicções e crenças. É questionado sobre clarividência e telepatia e se acredita nestas coisas ao passo que responde "contanto que me paguem, eu acredito em qualquer coisa". A meu ver ele era um indivíduo que apenas via nesta histeria coletiva a qual ainda não fazia parte, uma oportunidade de sobrevivência. Mas, com o passar do tempo ele passa a vivenciar as mesmas experiências de seus colegas de trabalho e, inclusive, é responsável por uma das teorias mais chocantes do surgimento dos vários fenômenos que se espalharam pela cidade de Nova Iorque. Ele relaciona o que está acontecendo a algum trecho do Juízo Final do Apocalipse bíblico. No momento em que ele profere aquelas palavras referentes aos mortos voltarem de seu descanso eterno ao mundo dos vivos, um dos sujeitos do grupo original dos Caça-Fantasmas faz uma cara de espanto e desvia o assunto ligando o rádio. O que pode ter parecido um reflexo de apreensivo por parte da personagem, a meu ver foi um episódio muito maior. O espanto não foi gerado pela possibilidade de algo que foi mencionado na bíblia estar acontecendo, mas, creio eu, e admito que este trecho em específico é bastante ambíguo, foi pelo fato de outra pessoa, fora do grupo dos três sujeitos, ter participado da brincadeira psíquica que começou com eles. E a minha teoria da brincadeira de criança se torna mais evidente com o surgimento daquele monstro gigantesco de marshmallow chamado de "Stay Puft" que faz parte da cultura norte-americana (apenas no filme) e é idolatrado pelas crianças. Ou seja, o clímax do inconsciente manifestado fisicamente (prefiro ver como uma alucinação) daquele processo esquizofrênico coletivo foi uma figura popular e icônica que fazia parte da vida das crianças. No segundo filme o colosso é a estátua da liberdade quem começa a andar e luta contra as forças do mal. Engraçado que entoada por uma canção que tem em seus versos várias vezes repetida a palavra "higher".

- ...

- Torradeiras dançando, geléias verdes voando por aí, declarações de amor exageradas como "vamos fazer um filho" sem ao menos as partes se conhecerem, acusações sobre estarem espalhando um gás venenoso pela cidade (no primeiro filme) e existir um líquido chamado por eles de "ectoplasma" correndo livremente por debaixo da cidade... Tem até uma cena em que o vilão pergunta aos Caça-Fantasmas se eles seriam deuses e um deles (o diretor do filme inclusive) responde que não e o demônio dispara um raio neles. Uma das personagens aparentemente enfurecido faz a seguinte colocação: da próxima vez que lhe perguntarem se é um deus, responda que sim! Você precisa assistir para entender a verdadeira piada que está sendo contada. A merda toda é cheia de simbolismos minuciosamente colocados.

- Uma vídeo-reportagem descontraída sobre um pequeno jaguar visitado por dezenas de pessoas diariamente em um zoológico coreano, se não me falha a memória, que não pode receber tantas visitas por dia senão pode vir a enlouquecer... vivendo como aqueles indivíduos de freaky-shows que até me lembram aquele homem-elefante... um monte de criancinhas de olhinhos puxados agarrando-o como a um ursinho de pelúcia... E ao final da matéria algum funcionário desse espetáculo é filmado segurando o pequeno bebê jaguar e olhando para ele de forma até carinhosa... A repórter que narrava descontraidamente essa notícia que me causou uma sensação desagradável termina com as seguintes palavras "minhas unhas estão crescendo, até quando você vai me olhar assim tão de perto". Isso, meu caro, é uma piada.

Igor Bacelar